Penso nisto enquanto acompanho a tragédia que se abateu sobre os sem-teto no centro de São Paulo. O incêndio, que começou na madrugada de terça (1/5), levou à implosão do prédio e de vidas.
O fogo durou algumas horas, de maneira tão avassaladora que comprometeu a estrutura do edifício. Em poucos segundos, tudo foi ao chão. Paredes e sonhos. Tijolos e histórias. Moradias e memórias.
Ninguém sabe, ao certo, quantas vidas foram perdidas.
É a tragédia dos invisíveis.
O drama daqueles que sobrevivem com o mínimo – de moradia, de alimento e de dignidade. São aqueles que queremos esquecer que existem.
Não aparecem em nossa realidade virtual, nas nossas páginas do Facebook e Instagram, porque queremos mesmo que sejam imperceptíveis. Queremos que não poluam nossas fotos porque, assim, só mostramos o que é lindo, agradável e harmonioso.
Daí, em um dia de maio qualquer, eles surgem. Escancaram a nossa realidade. Mostram nosso lado feio, egoísta, indiferente. Mostram a vida como ela é. A vida real.
Mais de 140 famílias viviam no prédio paulistano que pertencia à União. Apesar de ter sido invadido, pagavam aluguel a um sujeito responsável por manter o imóvel em ordem. Óbvio que nada era feito.
Imagine o estado de degradação do prédio para implodir em segundos. Imagine o estado de vida precário dos moradores diante dos possíveis problemas que lá havia. O lixo excessivo, por exemplo, é considerado um dos fatores para o alastramento do fogo.
Mas eles seguiam suas vidas anônimas, sobrevivendo diante do impensável, até que viraram notícia para mostrar quem somos. A tragédia fala dos sem-teto. Isso é óbvio. Mas fala também de nós.
A catástrofe aconteceu em São Paulo. Poderia ser Minas Gerais, no Rio de Janeiro, em Mato Grosso. Cerca de 6 milhões de brasileiros não têm onde morar, espalhados por todos os estados do Brasil. Certamente, vivem expostos ao perigo, em situação tão ou mais precária que os sem-teto da capital paulista.
Num dia qualquer de outono, os invisíveis surgem. De invisíveis, viram apenas números, estatísticas. Continuam sem identidade nem dignidade. Continuam sem rosto nem afeto. Continuam não sendo gente.
E nós, quando vamos olhar para o tipo de gente que somos?
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