terça-feira, 6 de março de 2018

Como qualquer cidadão

Num teatro de sombras e interesses, Lula reconheceu as habilidades Michel Temer. Para o ex-presidente, o atual soube se proteger de um golpe — como se estivesse acima de qualquer suspeita (entrevista que concedeu à Mônica Bergamo está aqui). Talvez, Lula meça Temer com sua régua, mas o fato é que ninguém está isento de ser investigado, se houver indícios para isto.

Nos últimos dias, porém, dois fatos sincronizados complicaram a situação do presidente, retirando-lhe a aura de exímio equilibrista que lhe é atribuída. Primeiro, frustrou-se a operação em que o ex-diretor-geral da PF, Fernando Segovia, insinuava arquivar os processos contra o presidente. Depois, os efeitos da intervenção barra forçada no RJ parecem, até aqui, pouco significativos para a diminuição de sua rejeição. Temer voltou a estar vulnerável.

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Sem manobras e sem perspectiva de continuidade no poder, haverá inevitavelmente um amanhã; o dia seguinte, que, sem blindagem, sem mandato e sem foro especial, Michel Temer terá mesmo que se submeter à Justiça de primeira instância, muito menos tolerante do que têm sido alguns dos ministros dos Tribunais Superiores. Sua cama, ao que parece, está sendo preparada.

No interior do processo de frustração aos planos de Temer, encontra-se Luís Roberto Barroso. O ministro do STF tem sido implacável nos embates com seus colegas refratários a investigar autoridades com foro privilegiado. Mas, também na condução, como juiz, de processos que envolvam essas autoridades.

Foi nessa condição que, ao puxar as orelhas de Segovia, impediu a trama carnavalesca do arquivamento. É assim, agora, ao definir a quebra de sigilo bancário do presidente e indicar que não haverá condescendência na instrução de um processo que deve seguir para além do mandato.

Não entro em e nem cabem a mim questões jurídicas que não domino. Não sei se Barroso age nos limites da lei e do direito. Deixo aos especialistas verdadeiros ou aos pretensos que façam essa discussão. O fato é que Barroso é hoje, o maior antagonista de Temer e dos ''com foro''. É ainda pedra no sapato que mais incomoda e não permite a grande pizza ''com Supremo, com tudo'', que Romero Jucá proclamou certa feita.

É da lavra Barroso uma das frases que, politicamente, melhor cabem à crônica destes dias: “eu via as malas, eu vi os dinheiros, eu vi a corridinha”, disse no plenário do STF. Ficará para a história, citada ao longo do tempo. E todo viram: são imagens que refutam argumentos que buscam impedir, pelo menos, a investigação dos maleiros e de suas conexões políticas e pessoais.

Imagens que aconselham apurar indícios, dúvidas e suspeitas. Claro, sem prejulgar. Como qualquer cidadão, Michel Temer merece investigação criteriosa, julgamento justo — se a ele for levado. Se é fato que não se pode afirmar que o presidente está envolvido com lambanças atribuídas a pessoas de seu grupo e confiança, tampouco se pode afirmar que não esteja.

Qualquer sujeito intelectualmente honesto sabe disto: ao presidente, não cabem privilégios que desmoralizem a política e a democracia. Como a qualquer cidadão. Até por questão de Justiça e igualdade — uniformidade de critérios, pelo menos —, considerações a respeito da governabilidade não cabem agora, como não couberam para o caso de Dilma Rousseff.

Ao embrenhar-se na defesa de Temer, talvez em causa própria, Lula se precipita como seu advogado político. Elevando-o à condição de vítima de um golpe, vislumbra o quê, um pacto? Ora, também viu ''as malas, os dinheiros, a corridinha”, embora pareça ter-se esquecido, por conveniência.

Analistas políticos dominam umas poucas ferramentas de análise: compreensão lógica de fatos e personagens; uns conceitos. Contudo, a coerência é matéria que vem do caráter: o que se exigiu em relação a Dilma, o que se defende em relação a Lula, deve servir, do mesmo modo, a Michel Temer. Como a qualquer cidadão, mesmo para quem não seja um cidadão qualquer.

Carlos Melo 

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