Agora, por exemplo, Bruxelas, na Bélgica, decidiu oferecer transporte gratuito como forma de reduzir a circulação de veículos particulares, diminuir as emissões de carbono poluente e cumprir as regras da União Europeia sobre a qualidade do ar (Mobilize, 1.º/3). As regras parecem claras: depois de dois dias consecutivos de níveis altos de material particulado no ar (acima de 51 a 70 microgramas por metro cúbico), ônibus, metrô, VLTs terão de abrir suas portas e deixá-las completamente livres, acessíveis a qualquer pessoa, sem que nada pague, seguindo lei agora adotada pelo conselho da cidade.
Mas os carros particulares também sofrerão restrições, seus limites de velocidade serão igualmente reduzidos em cerca de um terço. Outra fonte de poluição atingida é a queima de madeira em fornos, proibida por lei (mas ainda passará por revisão judicial). Espera-se que a nova legislação passe a vigorar já no próximo verão europeu. A nova lei seria uma espécie de correção de rota de políticas anteriores, que beneficiaram os automóveis particulares durante décadas, diz Pascoal Smet, secretário de Mobilidade de Bruxelas.
“Precisamos criar espaços públicos de qualidade”, pondera o secretário. “A pesquisa mostra que, quanto mais espaço você oferece aos carros, mais carros você atrai”. E as cidades mais atraentes para os carros são também as mais congestionadas. “Já os novos fundamentos da política também partem da convicção de quem, ao dar espaço aos pedestres e ciclistas, as cidades podem criar lugares onde as pessoas se encontram e se conectam”.
Um ponto de comparação poderia ser Londres, que nos primeiros meses de 2018 já atingiu o limite de poluição previsto para todo o ano – o que já faz desde 2010. Outro exemplo é Paris, que bane temporariamente metade dos seus carros para conter a poluição. A Alemanha também está propondo o transporte gratuito como forma de combater a poluição. Em São Paulo, estudos mostram que sem o metrô a poluição do ar seria 30% maior.
A convicção entre nossos governantes é de que os veículos, principalmente automóveis, são o ponto central dos problemas e dificuldades nas áreas urbanas. Pela legislação, os municípios têm prazos para apresentar seus planos de mobilidade urbana. Terão prioridade para recursos financeiros aqueles com mais de 100 mil habitantes. O cadastramento é feito pelo Ministério das Cidades.
As estatísticas sobre viagens em carros na cidade de São Paulo são impressionantes. A capital paulista é a quarta capital brasileira em número de automóveis por habitante. A pesquisa urbana já de 2012, feita pelo metrô, mostra que a “taxa de motorização da Região Metropolitana, estagnada entre 1997 e 2007, cresceu 15% entre 2007 e 2012. Dos 43,7 milhões de deslocamentos diários na Região Metropolitana de São Paulo, 28,25% são feitos com automóvel próprio, seja dirigindo ou de carona. As viagens a bordo de automóvel particular têm, em média, distância de 6,06 quilômetros na Região Metropolitana e 5,49 quilômetros na cidade. A média de tempo para cada uma é de 31 minutos.
Em 42,1% dos deslocamentos em carro próprio na cidade de São Paulo a distância entre origem e destino não ultrapassa 2,5 quilômetros; os deslocamentos entre 2,5 e 5 quilômetros representam 20,8% do total. A conclusão é de que dois terços dos deslocamentos ficam num raio de 5 quilômetros do ponto de origem.
Outros estudos mostram a área brutal necessária para estacionamento de veículos particulares durante a noite (e a ociosidade no mesmo período, incorrendo sobre números gigantescos de investimentos). Na cidade de Goiânia, por exemplo, as áreas destinadas a veículos “ocupam quase 20% das áreas totais da capital”. São quase 4,7 milhões de metros quadrados na área construída da capital de Goiás, incluindo boxes de garagens nos prédios residenciais e comerciais – ou 11,87% da área construída com estacionamentos (O Popular, 11/2).
Na capital goiana, hoje há apenas 94 quilômetros de rotas “cicláveis”, perante 6 mil quilômetros de ruas. O Plano Diretor, que está sendo atualizado, vai propor a ampliação dos corredores de transporte coletivo e a valorização de “rotas caminháveis”.
E assim se vai: o que era problema, andar a pé, com o tempo se transformou em solução, com a adoção do automóvel; o que era solução, o automóvel, virou problema, sob a forma de custos – estacionamento, combustíveis. O exercício físico – andar a pé – colide com a motorização das ruas, o risco de atropelamento, a ingestão de poluentes.
Talvez se chegue a um novo axioma: a única possibilidade é o retorno aos tempos antigos, em que o caminho seja proibir que só se implantem cidades com 5 mil pessoas, ou 10 mil ou 20 mil. E aí já não faltarão os que proponham cidades com 50 mil, ou 100 mil, ou 1 milhão, ou...
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