Muito se fala sobre a possibilidade — improvável — de Lula não disputar a eleição presidencial em 2018. Projeta-se pouquíssimo, porém, essa hipótese — e se especula ainda menos sobre os beneficiários de tal circunstância. Não seriam muitos. E é mesmo difícil nomeá-los hoje. O motivo é óbvio: favorecidos seriam principalmente aqueles ora à margem de partidos, uma Cármen Lúcia, um Joaquim Barbosa, um Deltan Dallagnol — talvez mesmo um outro herói sequer surgido (mas certamente de extração jacobina).
O macron João Doria, não exatamente um outsider, também se beneficiaria: sem o mais mínimo controle do PSDB, marginalizado no ninho tucano, ele compreendeu, ou ao menos intui, que Lula e Geraldo Alckmin já se escolheram (ou foram escolhidos) como adversários — e que esse replay de 2006, para muito além da disputa pelo poder entre rivais, selaria o triunfo do movimento suprapartidário pela conservação do establishment. Um abraço na lagoa poluída — pela continuidade da lagoa poluída.
Nada há de mais poderoso em fluxo neste momento do que a defesa do sistema político-eleitoral conforme o conhecemos hoje. Isso inclui a aprovação, no Congresso, do financiamento público de campanha — a ocorrer até setembro próximo. Movendo-se contra a corrente da Operação Lava-Jato, especialmente aquela desdobrada em Curitiba, a mesma longa marcha de permanência do status quo que protege Michel Temer — e que fará com que as denúncias contra ele não prosperem na Câmara, permitindo-lhe jiboiar até a conclusão do mandato — só terá completude e sucesso, pois, caso Lula dispute a eleição.
Lula é jogador, mas é também peça — aquela em torno da qual, em função da qual, todos se organizam e orientam político-eleitoralmente. Ele é a principal variável no cálculo para a eleição do ano que vem. O sistema político, porém, precisa de Lula como constante. O entendimento dessa equação é decisivo. Explica por que raros são os homens públicos, mesmo entre os adversários, que torcem pela sua prisão — que torcem verdadeiramente para que o ex-presidente tombe inelegível e se torne carta fora do baralho no jogo de 2018.
É símbolo da carcomida atividade política no Brasil que o mesmo Lula que judicializará — desordenará — a campanha presidencial no ano que vem seja também o elemento cuja presença entre os candidatos dará segurança ao establishment. Poderoso agente do desequilíbrio institucional em curso, o ex-presidente, no entanto, tem peso de equilíbrio para as forças de preservação, de subsistência, do sistema — corpo que planta alguma memória, algo de baliza, numa terra arrasada, praguejada. Chafurdado ele mesmo, Lula minimiza as instabilidades de um terreno feito lama inteiramente.
Daí por que este escriba esteja convicto de serem pequeníssimas as chances de um candidato de fora do sistema político — ou com pouca expressão partidária (Doria), ou de um partido menor (os esquerdistas Ciro Gomes e Marina Silva, por exemplo, só teriam alguma viabilidade eleitoral sem o ex-presidente no páreo) — ascender competitivamente em 2018. Porque dependeria da ausência de Lula entre os postulantes à Presidência — e isso seria o mesmo que a dissolução de um establishment moldado exclusivamente para se adaptar e se sustentar desde o fim do regime militar.
O ex-presidente é medida. É referência. Se ele chegar até a eleição, serão razoáveis as brechas para que os demais também cheguem. O mesmo serve para Temer e o término regular de sua presidência. Conseguir encerrá-la de acordo com o calendário consistirá em confiável sinal de reafirmação — de rearrumação — do establishment. É debaixo desse sol inclemente que a classe política brasileira rema para sobreviver. É sob essa crença infernal que se pactua para revalidar o próprio foro privilegiado e se abrigar. Uma eleição em quase todos os aspectos excepcional — porque de vida ou morte. Não há esperança, senão para eles.
Carlos Andreazza
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