O TDP é o novo termo usado pela Associação Psiquiátrica Norte-Americana para aquilo que, no passado, se chamava distimia. É um transtorno do humor que consiste nos mesmos problemas cognitivos e físicos presentes na depressão clássica, com sintomas menos severos, porém mais duradouros.
Ele persiste por, pelo menos, dois anos e é caracterizado por baixa energia e motivação, baixa auto-estima e incapacidade de encontrar satisfação nos afazeres do dia-a-dia.
O brasileiro está fraco, mal-humorado, e não é de hoje.
Temos medo do desemprego, da violência e até de ficarmos doentes por conta do caos na saúde pública.
Estamos cansados dos baixos salários, do elevado custo de vida, do noticiário monotemático e negativo, da polarização nas redes sociais e de passar horas e horas da nossa existência tentando nos transportar entre a nossa casa e o trabalho.
Não conseguimos mais projetar como ou onde estaremos no futuro e não acreditamos mais na isenção e imparcialidade dos veículos de comunicação, particularmente na imprensa tradicional. E uma novidade: essa desconfiança em relação à isenção e à imparcialidade já começa a se estender ao judiciário e a todo seu aparato.
Sentimos raiva dos políticos, da corrupção e da quebradeira dos governos que, a cada dia, vêm reduzindo ainda mais a qualidade dos serviços públicos.
Depois da raiva, vem a culpa. E a culpa surge do reconhecimento de que a crise que enfrentamos não é apenas política ou econômica. Ela é, sobretudo, uma crise de valores, uma crise moral que corrói toda a sociedade brasileira e que não está restrita a políticos ou empresários gananciosos e desonestos.
Esses sentimentos ou sintomas são causados por um hexágono de fatores interligados: a instabilidade político-institucional, a crise econômica, os governos quebrados, o noticiário político, a absurda concentração de renda do nosso país, e por último, a própria natureza, outrora mansa e otimista, do nosso povo.
Mas, esses fatores não existem por obra do acaso. São consequências de causas estruturais muito mais profundas que, há algumas décadas, condenaram o Brasil a não crescer, a não cumprir um destino civilizatório que poderia ser grandioso.
Em primeiro lugar, o acordo tácito do establishment brasileiro (sistema financeiro, indústria paulista e grandes monopólios e oligopólios privados) que faz com que, há quase 25 anos, sejamos simultaneamente o país com as maiores taxas de juros reais do mundo; o país mais protecionista do G-20; um dos países mais tolerantes com a formação e a perpetuação de monopólios e oligopólios na sua economia; o país com o sistema tributário mais complexo e um dos mais regressivos do planeta.
O sistema financeiro aceita o protecionismo comercial desde que as elevadas taxas de juros e a oligopolização do seu setor sejam mantidas.
A indústria paulista aceita as elevadas taxas de juros e ter monopólios e oligopólios como clientes (com grande poder de barganha) desde que ela permaneça protegida da competição internacional e que o mercado interno brasileiro continue seu cativo – em pleno século XXI, depois do salto econômico e social da Coreia do Sul e da China, há ainda quem argumente que as ideias de Raúl Prebisch e a política de substituição de importações sejam a chave para o nosso desenvolvimento.
Os grandes oligopólios e monopólios privados (para além do sistema financeiro) aceitam as elevadas taxas de juros e também comprar produtos caros e/ou de baixa qualidade de fornecedores nacionais desde que as autoridades que deveriam estimular a concorrência no país mantenham seus cartéis e monopólios intocáveis.
E os três grupos garantem a perpetuação do nosso sistema tributário complexo e regressivo que tem, como consequência natural, mais concentração de renda (somos o 10º país mais desigual do mundo – só estamos à frente de alguns países africanos e do Haiti) e o afastamento do investimento estrangeiro não-financeiro (elemento primordial do crescimento econômico asiático das últimas décadas).
Dentre as outras causas estruturais que levaram o brasileiro ao atual estado depressivo persistente há uma que vem sendo enfrentada (só não sabemos se com a imparcialidade devida...): a cultura da corrupção; e outras três que vêm sendo reformadas (também não sabemos se no momento ou da forma correta...): a legislação trabalhista, a previdência nacional e o sistema político-eleitoral brasileiro (personalista, fragmentado e sem partidos orgânicos).
Há ainda outros dois elementos estruturais que estão ausentes do debate nacional recente: o inchaço da máquina pública e a elevada carga tributária do país (em grande medida sustentada pela classe média assalariada); e a improdutividade do setor público que deriva, principalmente, da estabilidade no emprego e da ausência de meritocracia no serviço público do Brasil.
Ano que vem é ano de eleição presidencial e o brasileiro (um esperançoso incorrigível...) irá para as urnas, buscando um redentor. Alguém que seja capaz de lhe mostrar uma luz no fim do túnel e de lhe tirar do TDP.
Muito provavelmente, assim como em 2016, o eleitor médio brasileiro buscará essa redenção por meio de um outsider: um não-político ou uma figura reconhecidamente anti-establishment.
Nesse contexto, não há surpresa quando figuras como Lula, Bolsonaro, Marina Silva, João Doria, Ciro Gomes, e até Joaquim Barbosa e Sergio Moro surjam com mais chances de vitória que qualquer político tradicional que goze de boas e duradouras relações com o establishment do país.
A psiquiatria indica que pessoas com TDP também podem ter comportamento suicida. Esse fato tornará essa disputa eleitoral ainda mais intrigante. Ninguém terá o direito de se dizer surpreso com o resultado final das urnas.
Quem sobreviver verá.
Marcello Faulhaber
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