Os economistas chamam isso de "absolute income mobility" (algo como mobilidade absoluta por meio da renda) e se referem assim à proporção de filhos que acabam ganhando mais que os pais na mesma idade deles. É uma das formas mais confiáveis de medir a mobilidade social para cima e o quanto é real a igualdade de oportunidades. Embora faça parte da identidade e da crença da sociedade norte-americana, poucas vezes houve ocasião de medir quanto há de verdade e de mito nisso. É o que fez agora um grupo de sociólogos e economistas de três das universidades mais prestigiadas dos EUA: Harvard, Berkeley e Stanford.
Usando o censo da população dos EUA, suas atualizações anuais, dados da agência federal encarregada da arrecadação de impostos (IRS) e a renda antes dos impostos de 10 milhões de casais com pai (ou mãe, se houver ambos, o valor é dividido entre dois) e filho. O estudo, publicado na revista Science, se inicia com os nascidos em 1940 e chega até os que nasceram em 1984. Compararam ano a ano a renda quando ambos tinham 30 anos e, para evitar um possível viés pela data de incorporação ao mercado de trabalho, voltaram a compará-los aos 40 anos.
"O que vemos é que por volta de 90% das crianças nascidas nos EUA em meados do século passado acabaram ganhando mais do que os pais, o que acreditamos seja um elemento importante do sonho americano”, diz o sociólogo da Universidade Harvard e coautor do estudo Robert Manduca. No entanto, este porcentual diminuiu a cerca de apenas 50% entre os nascidos mais recentemente”, acrescenta este pesquisador especializado em renda.
O que os dados dizem é que a grande maioria (exatamente 92%) dos nascidos em 1940 e que em 1970 tinham 30 anos ganhavam mais que seus pais nessa idade, ou seja, na época da Segunda Guerra Mundial, um período em que os salários não eram baixos. Esse porcentual mostra uma mobilidade absoluta via renda muito elevada. Apenas 8% tinham um salário igual ou pior que o dos pais. Mas a metade daqueles que agora estão com 30 anos e nasceram nos anos oitenta recebe menos que seus pais quando tinham a mesma idade. As comparações foram feitas neutralizando o efeito da inflação.
Tão chamativo como a distância que há entre um extremo (1940) e o outro (1984) é a tendência mostrada por essa pesquisa. Salvo alguns anos ocasionais e em meados dos anos setenta, o descenso tem sido contínuo desde 1940. Foi muito marcante até 1964, quando apenas 55% dos então nascidos superaram os pais quando chegaram aos 30 anos, coincidindo com uma das crises econômicas mais severas. Somente entre o final dos sessenta e até meados da década seguinte as cifras se recuperaram um pouco, superando 60%. Mas, salvo algum pico ocasional, não deixaram de cair desde esse período.
Há muito mais desigualdade de renda do que havia em meados do século XXRobert Manduca, sociólogo da Universidade de Harvard
O trabalho, que integra um projeto voltado para o estudo da igualdade de oportunidades nos EUA, também permite tirar conclusões da distribuição desses dados. Por um lado, por estratos sociais, os grupos de renda mais afetados foram os das classes médias. Quanto à geografia, o declínio de mobilidade absoluta via renda é maior nos Estados industriais (Michigan, Indiana, Ohio e Illinois), transformados agora em um celeiro de votos do populista Donald Trump. Os menos afetados, os Estados da costa oeste, os nortistas do leste e os Estados agrícolas das planícies, como Montana, as Dakotas, Nebraska...
"Houve duas grandes mudanças na economia nos últimos 40 anos que provavelmente influenciaram nesse declínio”, comenta Manduca. “Primeiro, o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) foi mais lento do que vinha sendo, o que significa que o bolo da economia não cresce tão rápido como antes. Segundo, há muito mais desigualdade na renda do que havia em meados do século XX, o que significa que os ricos levam para casa uma parte muito maior da renda total do que antes”, explica.
Para confirmar seus argumentos, os pesquisadores simularam o que teria acontecido com os nascidos em 1980 em dois cenários: por um lado, em um entorno econômico dinâmico, com um crescimento do PIB anual de 2,5% desde então. De outro, uma simulação com o crescimento real do PIB (1,5% anualizado nas três últimas décadas), mas com o bolo distribuído como estava em 1940. Sua conclusão é que seria preciso haver um aumento do PIB de 6,4% ao ano para chegar a 80% de filhos que ganhassem mais que seus pais. Mas se a riqueza nacional fosse repartida na mesma proporção em que estava nos anos quarenta, mesmo com o ritmo de crescimento do PIB atual o número de filhos que ganhariam mais que os pais se aproximaria de 90%.
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