domingo, 8 de janeiro de 2017

O sino de Belém

Há alguns dias, lá no Reino Unido, alguém teve uma ideia interessante: reduzir a números o cotidiano dos mendigos de Londres, umas das mais ricas e cosmopolitas cidades do planeta.

Os resultados obtidos fariam corar de vergonha qualquer povoado miserável dos mais atrasados países do mundo.

Só para começar a conversa, apurou-se que 79% deles já foram vítimas de agressões físicas causadas por discriminação - em 35% dos casos, foram socados e chutados. 9% deles já serviram de "banheiro" - dormiam em paz (eu disse "em paz"?) na sarjeta quando alguém decidiu urinar em suas faces. Em 34% deles foram arremessados pedras e objetos diversos. Se nos limitarmos às agressões verbais, 48% já foram ameaçados e 50% insultados. Constatou-se, ainda, que 54% deles já foram vítimas de roubos e 7% de violência sexual.

mendigos fotografias my london calendário cafe art
O projeto Cafe Art deu 100 câmeras descartáveis para moradores de rua de Londres e convidou-os a registrar cenas com o tem “Minha Londres.” Oitenta das cem câmeras foram devolvidas e cerca de 2.500 fotos reveladas, entre elas, a de cima. 
Mas talvez o mais triste seja a constatação de que o Estado foi acionado em apenas 47% dos casos - os miseráveis de Londres simplesmente não acreditam nas instituições que deveriam defendê-los, material e moralmente.

Mas deixemos o Estado para lá. Afinal, o que de mais chocante constatou-se foi mesmo a falta de sentimentos humanos de larga parcela da população - das pessoas comuns, pois. Aliás, talvez esteja aí a explicação da omissão estatal.

Abro a janela de minha casa. Olho para fora. Começo a recordar as notícias dos mendigos em cujos corpos jovens abastados atearam fogo, pelas avenidas de nossas mais ricas cidades, e episódios de agressões tão brutais que resultaram em morte. E subitamente dou-me conta de que Londres é lá, é aqui, é em todo lugar.

Com o espírito estremecido, saio à rua. Contemplo a cena rotineira de alguns miseráveis preparando-se para mais uma noite na sarjeta, sob o silêncio cúmplice de tantos, a embalar as gargalhadas de escárnio dos Estados.

Eis que aproxima-se e aninha-se, dentre eles, um cachorro. Um vira-latas. Manso, ali estava mostrando respeito e afeto, não para rosnar ou morder - afinal, ele era apenas um cachorro, não um ser humano impiedoso.

Enquanto isso, há poucos dias celebramos o Natal. Era meia-noite, quando os sinos dobraram. Ouso dizer, com o poeta John Donne, que eles dobravam pela raça humana - que deveria, recordando Thomas Jefferson, mostrar temor diante de um Deus que, acima de tudo, é justo. Simplesmente justo.

Pedro Valls Feu Rosa

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