sexta-feira, 18 de março de 2016

Manifestações populares e desfaçatez

Não chega a ser novidade afirmar que a corrupção, no Brasil, é sistêmica, generalizada. Quase tudo na vida social é sistêmico. Por aqui, são sistêmicos o subdesenvolvimento, o atraso político, a violência, a desfaçatez. Algo novo, mas que tende a tornar-se sistêmico, são as recentes manifestações de rua, as maiores da história do país, que, como a miséria, a criminalidade, o descalabro na saúde e tantas outras mazelas, são solenemente ignoradas pelos donos do poder.

Repetindo velhos chavões da intelectualidade de esquerda, esses senhores e senhoras tentam desqualificar essas manifestações como coisa da classe média, de gente reacionária que tem horror a pobre. Estão redondamente enganados ou, o que é mais provável, nos enganando.

O trabalhador, além do merecido descanso de domingo, não tem dinheiro para pagar seu transporte e o da família até os locais de concentração. Se mal têm dinheiro para se deslocar à procura de trabalho, como esperar que milhões de desempregados participem dos protestos? Além disso, as manifestações espontâneas que estamos presenciando não oferecem transporte fretado, pão com mortadela ou coxinhas de frango providenciados por movimentos e sindicatos governistas. Vai quem quer e, sobretudo, quem pode, quem tem um mínimo de autonomia financeira e política.

Mas, se o descontentamento se restringe à classe média, como explicar a baixíssima popularidade do governo, que, de acordo com as pesquisas, não conta com mais de 10% de aprovação? Haja paciência. Se a classe média não merece o devido respeito, por que gabar-se, como faz o governo, de haver alçado a essa condição 40 milhões de pessoas que viviam na pobreza? Aliás, isso deixou de ser verdade com o crescimento do desemprego e a disparada da inflação, que estão levando essas pessoas de volta a sua condição anterior.

Negar valor à classe média, que, no momento, se mobiliza contra os desmandos e fala em nome da grande maioria dos brasileiros, equivale a negar valor à própria cidadania, à educação e ao raciocínio crítico. Não é a classe média que, além de fomentar o consumo, tem níveis de educação mais razoáveis e, portanto, melhores condições de exercer a cidadania, com discernimento suficiente para forçar mudanças dentro dos parâmetros democráticos? Enquanto o povo se manifesta claramente contra a corrupção, pela valorização do Judiciário e pelo aprimoramento das instituições, as autoridades respondem com reformas limitadas, facilmente abolidas por medidas provisórias ou decretos de conveniência. Na maioria das vezes, prevalece o escárnio.

Voltando à questão dos processos sistêmicos, é obvio que aqueles que prometiam mudanças estruturais e a construção de uma sociedade mais justa não resistiram à podridão sistêmica. Ao ascenderem ao poder, chafurdaram na lama da corrupção e dos expedientes mais retrógrados e vergonhosos para manter o poder. A vergonha do momento é o foro privilegiado.

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