sábado, 2 de agosto de 2014

Governar


Os garotos da rua resolveram brincar de Governo, escolheram o Presidente e pediram-lhe que governasse para o bem de todos.

- Pois não - aceitou Martim. - Daqui por diante vocês farão meus exercícios escolares e eu assino. Clóvis e mais dois de vocês formarão a minha segurança. Januário será meu Ministro da Fazenda e pagará o meu lanche.

- Com que dinheiro? - atalhou Januário.

- Cada um de vocês contribuirá com um cruzeiro por dia para a caixinha do Governo.

- E que é que nós lucramos com isso? - perguntaram em coro.

- Lucram a certeza de que têm um bom Presidente. Eu separo as brigas, distribuo tarefas, trato de igual para igual com os professores. Vocês obedecem, democraticamente.

- Assim não vale. O Presidente deve ser nosso servidor, ou pelo menos saber que todos somos iguais a ele. Queremos vantagens.

- Eu sou o Presidente e não posso ser igual a vocês, que são presididos. Se exigirem coisas de mim, serão multados e perderão o direito de participar da minha comitiva nas festas. Pensam que ser Presidente é moleza? Já estou sentindo como este cargo é cheio de espinhos.

Foi deposto, e dissolvida a República.
Carlos Drummond de Andrade, em "Contos Plausíveis" 

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