domingo, 24 de agosto de 2014

Cidades mortas


Há cidades que se suicidam pelo esquecimento dos próprios habitantes. Há outras, à margem das estradas modorrentas, que não têm onde oferecer uma água ao viajante. As portas se fecham com o calor do verão e se trancam com as chuvas do inverno. Sorte é passar ali na época certa, quando no amanhecer, sem chuva, há frutas para vender estendidas em varais. Há ainda aquelas que foram esquecidas à beira dos grandes caminhos. Passam muitos, olham e seguem o caminho. Só os olhos de quem lá vive são parados como relógios a quem o tempo deixou de dar corda.

]Viver em beira de estrada, para as cidades, é uma eterna esperança. Todos esperam. O comércio espera um freguês; o político espera a promessa do governo capital; o jovem sonha com o dia da partida; o velho treme com a data do descanso.

Se o viajante parar um pouco em cada uma, descobrirá, entre um trago de outro, os motivos do desânimo. Para os de fora, tanta calma significa paz, que está bem longe de acontecer. Cidades pequenas, quase esquecidas, vivem em eterna guerra. Em todas queima dia-a-dia o combustível político. 

Em vez das mudanças, que carros e carretas buzinam pelas estradas, preferem o ranger das nobres carroças do passado, o estrilar dos filhos da terra na rinha das Câmaras, o chicote do disse-me-disse, a mentira, o nepotismo, o concubinato com o poder.

Cidades assim proliferam. No ar, se respira apenas os últimos perdigotos políticos. Entre uma e outra eleição, não há uma aragem que leve para longe a fumaça política. São senhores de sangue podre, vomitando artimanhas contra adversários, que bem podem ser os correligionários de amanhã. A ética é determinada pela melhor aliança mesmo que seja com o inimigo de ontem.

São cidades de naturezas encantadoras, um tantinho só virginais, mas com a vida poluída pela discussão dos escândalos e descalabros. Os cabos eleitorais proliferam; os políticos não se contentam em descansar depois das eleições. 

Estão sempre aprontando o próximo movimento eleitoral. Os sinos das igrejas dobram todas as tardes, inúteis. As mulheres se cobrem de véus negros e os homens se descobrem nessas horas. Rezam o “Venha a nós” sob a benção paroquial. E saem na escuridão das ruas que acoberta novas maquinações.

Cidades viciadas em voto eterno, picadas pela inércia, apodrecendo no ranço de uma política envelhecida, ulcerosa, purulenta, que empesteia. Imunes, os diferentes, que pensam em como mudar. Salvos estão os agostinianos, que rezam na doutrina da iniciativa e da criatividade, fermentos da esperança. Alquimistas do tempo, dosam a revolta contra a situação com a raiva para mudá-la. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário