quinta-feira, 22 de maio de 2014

A esquerda não sonha mais?

Há pouco acompanhei, aturdido, a polêmica em torno de uma proposta, que, por ser tão absurda, custei a levar a sério: de “traduzir” clássicos da literatura brasileira para torná-los mais acessíveis aos leitores. “Quero livros nas casas dos mais simples”, argumentou a autora do projeto, que, com dinheiro captado por meio de renúncia fiscal, em junho distribuirá gratuitamente 600 mil exemplares, em linguagem facilitada, de “O alienista”, de Machado de Assis, e de “A pata da gazela”, de José de Alencar. Aguardei a poeira baixar um pouco para fugir da armadilha de criticar a ideia de Patrícia Secco sob o argumento corrente de que não se pode mexer no texto dos autores porque isso é por demais óbvio.
O que me preocupa, na verdade, é a visão distópica que alicerça a convicção de Patrícia Secco e de seus apoiadores, e que alimenta o discurso da esquerda brasileira (aqui incluo petistas e tucanos e todos os assemelhados). Ela afirma que, por causa do vocabulário, considerado difícil, os jovens não gostam de Machado de Assis, o que é fato. Então, ao invés de sugerir mudanças no sistema educacional, visando à melhoria do nível dos alunos, Patrícia e seus apoiadores propõem “descomplicar” o texto do autor. Ou seja, o problema não está no nosso péssimo sistema de ensino, que historicamente vem sendo o instrumento mais eficaz de manutenção das desigualdades sociais, mas no escritor que utiliza palavras por demais sofisticadas.

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