quinta-feira, 8 de setembro de 2022

Eleições e o avanço do fundamentalismo evangélico no Brasil

Era uma manhã de domingo, no final de julho, quando Michelle Bolsonaro gritou no Maracanãzinho: "Nós declaramos que o Brasil é do Senhor [...] Ele [Bolsonaro] é um escolhido de Deus". E a multidão no ginásio entoou "Brasil acima de tudo, Deus acima de todos". Era o lançamento da candidatura do presidente Jair Bolsonaro à reeleição pelo PL, mas o evento se assemelhou – em muito – a um culto evangélico.

Marco Feliciano, pastor e deputado federal, fez uma aparição. Ele rezou com a multidão e afirmou que Bolsonaro era "um presente de Deus". Em seguida, o "presente de Deus" pegou o microfone e disse que só se tornara presidente com a ajuda do Todo-Poderoso. Em seu discurso, ele frisou que "o Brasil é um país cristão". Era um ataque contra a Constituição brasileira, que afirma inequivocamente que o Estado é laico.

Bolsonaro corteja de forma agressiva os mais de 65 milhões de evangélicos do país, que representam cerca de um terço dos eleitores. Entre o eleitorado evangélico, o presidente lidera com 48%, contra 32% do adversário Lula, segundo o Datafolha. O interessante é que, entre os católicos, ocorre o contrário.

A campanha eleitoral mostra de forma impressionante o avanço do fundamentalismo evangélico no Brasil. Ele não é mais um fenômeno marginal, mas está moldando o país. À primeira vista, os líderes evangélicos estão preocupados com questões sociais – aborto, educação sexual, casamento gay. Mas esses temas servem para manter a base evangélica emocionalmente engajada.

Por trás disso, porém, bispos e pastores defendem outros interesses: um capitalismo empresarial no qual trabalhadores e pobres não devem se rebelar, mas cumprir zelosamente seus deveres. Em vez de proteger a criação e os povos indígenas, a bancada evangélica votou no Congresso a favor da abertura da Amazônia para o agronegócio. E também tentam colocar sua própria gente em posições-chave no Judiciário. Sob Bolsonaro, isso foi alcançado com a nomeação de André Mendonça para o Supremo Tribunal Federal (STF).

O fato de um homem como Jair Bolsonaro ser o maior representante dos evangélicos no Brasil mostra quão pouco líderes evangélicos se preocupam com a moral e os valores. A estratégia tem nome: "Teologia do Domínio" ou "reconstrucionismo".

A teoria por trás disso é que os cristãos perderam seu domínio sobre as Sete Montanhas, que agora devem recuperar para preparar para o retorno de Cristo. As Sete Montanhas são: família, religião, educação, imprensa, lazer, economia e governo. Quer dizer, trata-se de uma hegemonia total. E isso nunca esteve tão óbvio quanto nestas eleições.

Isso explica a entrada da terceira esposa de Bolsonaro na campanha eleitoral. As afirmações sobre Deus e o demônio de Michelle Bolsonaro – que é simpática na aparência, mas arqui-reacionária no conteúdo – acabaram até mesmo levando Lula a usar a retórica evangélica: "Se tem alguém que é possuído pelo demônio, é esse Bolsonaro".

Mas deverá ser difícil para Lula ampliar seus votos no campo evangélico. Em seus cultos, muitos pastores fazem campanha por Bolsonaro e dizem que a eleição é a escolha entre o bem e o mal, entre a luz e a sombra.

Essa demonização do oponente político leve à violência. Durante o culto em uma igreja evangélica em Goiás, o pastor pediu à congregação que não votasse em "vermelhinhos". Um fiel e seu irmão discordaram, e uma discussão começou. No final, um policial militar, que também faz parte da comunidade, atirou na perna do homem.

No final do seu discurso no Maracanãzinho, Michelle Bolsonaro levantou o dedo indicador para o céu, como um pregador islâmico, e jurou, com voz trêmula, que o destino do Brasil está nas mãos de Deus.

É evidente que os evangélicos não aceitam a separação entre Estado e religião. Como todos os fundamentalistas, consideram que sua fé é a única certa, o que os transforma em intolerantes. E, como todos os fundamentalistas, são céticos em relação à democracia, que para eles parece ser apenas o meio de acabar com ela mesma.

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