Os regulamentos militares são claríssimos ao proibir a participação de oficiais da ativa em "manifestações coletivas, tanto sobre atos de superiores quanto as de caráter reivindicatório ou político.” Portanto, ao consignar em nota oficial que "não restou caracterizada a prática de transgressão disciplinar por parte do general Pazuello", o comando do Exército passa algumas mensagens à própria tropa e à sociedade brasileira.
Ao Brasil, que não espere do Exército nenhum esforço de proteção à ordem democrática ou ao estado de direito se, do outro lado, forçando os limites, estiver Jair Bolsonaro. Se não foi capaz de contê-lo nem para proteger um pilar básico da força, o respeito a hierarquia e aos códigos militares; se aceitou se humilhar diante do presidente num impasse em que tinha a seu favor uma regra cristalina e inequívoca, não há por que supor que o comandante terá força para fazê-lo quando estiver em jogo alguma questão politicamente difusa, do tipo que se justifica pelas narrativas delirantes de Bolsonaro.
À tropa, o recado é claro. Cabos, soldados, majores, tenentes, coronéis, estão todos liberados para fazer reivindicações salariais, contestar as regras do comando ou mandar às favas o regulamento disciplinar do Exército. A partir de agora é lícito pensar que, se Pazuello pode, eles também podem. As pilhas de processos disciplinares que se acumulam nas mesas dos comandantes podem ser arquivadas ou jogadas no lixo, porque a partir de agora existe uma nova regra: quem tem costas quentes pode promover a anarquia, que está tudo bem.
Era público e notório que Bolsonaro não aceitava nenhuma punição para Pazuello. E bancou a aposta ao nomeá-lo para um cargo no Palácio do Planalto.
Em reação a esses movimentos, há dias generais de vários segmentos vinham procurando a imprensa, diretamente ou por meio de interlocutores, para dizer que não havia hipótese de Pazuello não ser punido. Podia até ser uma punição branda. O que não podia era acabar tudo em "pizza", como se apostava entre os recrutas.
Mas as poucas informações que vazaram sobre a reunião do Alto Comando do Exército, na última quarta-feira, já indicavam que o desfecho do caso seria diferente. Quando um integrante do Alto Comando disse à repórter Jussara Soares que a decisão do comandante seria acatada por todos como uma “decisão do Exército, independentemente da posição pessoal de cada um”, estava claro que os generais entendiam que teriam de se dobrar à vontade de Bolsonaro.
Agora, não vai faltar quem se apresse a enviar a imprensa recados na direção contrária. Vão dizer que Bolsonaro é, em última instância, o o comandante máximo das Forças Armadas. Dirão ainda que, se ele decidisse revogar a decisão de Paulo Sérgio, o prejuízo à imagem do Exército seria ainda maior.
O Exército já desafiou a autoridade de outros presidentes para se preservar, quando achou conveniente. Quando Dilma Rousseff exigiu uma punição para o então general Hamilton Mourão, que em 2015 convocou militares para um "despertar patriótico" e para a mudança do status quo, o comandante, general Villas Boas, negociou uma espécie de punição branca e transferiu Mourão de um comando militar para um setor burocrático, sem tropas. Em 2017, quando Mourão novamente desafiou os militares a resolver "o problema político" do país, o presidente da República era Michel Temer, e não houve nenhuma punição.
Um Exército que não obedece a um comando único, em que cada um faz o que quer, já entra na guerra derrotado. Um Exército em que oficiais priorizam interesses políticos e pessoais em detrimento do todo não serve mais ao país. Transforma-se em partido político. E, armado, facilmente transmuta-se em milícia.
Em última instância, é esse o preocupante sinal enviado ao Brasil pelo desfecho do caso Pazuello. Depois de entrar no governo, o Exército vai se transformando em partido. A continuar assim, o próximo passo é se transformar em milícia.
Malu Gaspar
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