Vai ter Copa. Sete anos depois da controvérsia envolvendo a realização da Copa do Mundo no Brasil, e em plena pandemia, nos vemos na situação surrealista de sediar um evento futebolístico que dois vizinhos entenderam ser inoportuno abrigar.
E por quê? É simples: porque é desse tipo de coisa que gosta Jair Bolsonaro, é esse tipo de evento, e de confusão, que move o presidente do Brasil. Decisões administrativas, montagem de gabinetes de crise, planejamento de políticas públicas, definição de diretrizes de Estado, tudo isso aborrece e entedia o capitão.
A discussão a respeito da realização da Copa América no Brasil é um exemplo acabado de como o modo caótico de decisão de Bolsonaro nos trouxe até aqui. Ela desnuda a forma de pensar e decidir do presidente. Mostra que qualquer esforço narrativo para mostrá-lo como alguém que agora se preocupa com vacinas e com razoabilidade é apenas maquiagem.
Bolsonaro levou meses para decidir cobrar de seu ministro da Saúde, o agora premiado Eduardo Pazuello, alguma providência para que o Brasil estivesse bem posicionado na corrida pelas vacinas.
Mas bastou um telefonema de um cartola para que ele mobilizasse todo o governo para aceitar realizar aqui o campeonato futebolístico que Colômbia e Argentina recusaram por razões políticas, sociais e sanitárias. Razões essas presentes no Brasil, que vive o início de uma terceira onda de Covid-19.
Em sua compreensão tosca e maniqueísta do que seja governar e, principalmente, do que sejam trunfos possíveis para sua reeleição, Bolsonaro acha que trazer um evento festivo para o país pode ajudar a mudar o clima a seu favor.
Ele sentiu o calor das ruas no último fim de semana. Percebeu que sua batata está assando junto a um eleitorado cansado de não ver acelerar o ritmo da vacinação, que ainda não enxerga na carteira de trabalho e no prato os ventos de recuperação econômica que começam a soprar nos indicadores macroeconômicos.
Nada melhor, diante desse quadro, do que uma bola rolando, não é mesmo? Aqueles que sempre encontrarão um jeito de defender qualquer nonsense que o presidente faça dizem que não há diferença entre a Copa América e outros torneios que já estão ocorrendo, inclusive a Libertadores.
Mas os cientistas são unânimes em apontar a inconveniência de promover um entra e sai de delegações quando tentamos, sem sucesso, promover uma barreira sanitária que impeça a entrada de novas variantes do vírus, justamente no momento em que a curva de casos volta a subir.
Além disso, transparece desse episódio algo essencial a compreender no momento em que uma CPI avança na discussão de responsabilidades por nosso fracasso na pandemia: ele decorre do pouco-caso com que o presidente da República encara a doença, as vidas daqueles que governa e as mortes que continuam a se suceder aos milhares.
Faltou vacina porque Bolsonaro não quis comprar e não comprou enquanto pôde. E, por ele, a vida segue, e a bola corre, porque não há nada com que ele se importe acontecendo fora das quatro linhas do campo da política, aquele único em que ele sabe jogar.
Que todos — senadores, eleitores, ministros do Supremo, procuradores da República — extraiam desse episódio que é puro suco de bolsonarismo uma lição definitiva, que precisará estar no centro de qualquer estratégia para 2022: Bolsonaro não vai se moderar, não vai se conscientizar, não vai se importar. Seguirá governando impelido pelo objetivo único do poder para si e para os seus.
É essa a compreensão que tem de nortear o relatório da CPI no nevoeiro de mentiras, empulhações e tentativas de dourar a história da pandemia que paira sobre depoimentos cada vez mais dispersos. Ou a investigação não sairá do zero a zero num jogo ruim.
Nenhum comentário:
Postar um comentário