Muitos povos, graças a uma cultura forjada em tempos amargos, criaram respostas e alternativas, exigindo sacrifícios e mudança em estilos de vida. Conta-se, por exemplo, que o japonês, de tanto padecer as agruras de guerras, não costuma deixar sobras no prato. Os anglo-saxões aprenderam a não desperdiçar tempo e a responder sim ou não.
Já o talvez, mais ou menos, quem sabe, se encaixam em nossa cultura. A imprecisão se faz presente. Em Petrolina não há petróleo e a Bahia de Todos os Santos tem mais jeito de baía de todos os pecados. O senhor é católico? “Sim, mas não vou à missa aos domingos”. Quantas horas trabalha por semana? “Mais ou menos umas 40 horas”.
A flexibilidade é traço do nosso caráter para “amaciar” situações. Do trabalho duro muitos fogem. É comum se ouvir: “trabalhei demais; estou arrebentado”. Nosso DNA é cultivado na festa, no divertimento. Ascenso Ferreira, poeta pernambucano, parodiava: “Hora de comer – comer. Hora de dormir - dormir. Hora de vadiar – vadiar. Hora de trabalhar? Pernas pro ar que ninguém é de ferro”. Vejam o discurso do brigadeiro Eduardo Gomes em seu primeiro comício da campanha presidencial de 1946. “Brasileiros, precisamos trabalhar”. Do meio do povão, uma voz gritou: “Ih, começou a perseguição”. Bagunça geral no comício.
A flexibilidade e a expressão jocosa impregnam a índole brasileira. Nesse momento de pico da pandemia, com mortes de milhares de brasileiros, ainda se criam piadas com protagonistas diversos, a partir dos governantes. Como um povo que aprecia tanto a galhofa pode tomar atitudes sérias, adotar comportamentos condizentes com a gravidade desse momento?
Esclareçamos. A comunidade nacional costuma entrar no terreno do desrespeito quando se sente ludibriada, numa corrente alimentada por um grupo invasor das redes sociais para exacerbar o comportamento social. Motivam leitores e ouvintes a privilegiar o impropério. Mais: os protagonistas políticos se aproveitam do clima para adornar seu ego, emitindo opiniões estapafúrdias, tentando compor uma identidade falsa.
Alguns mudam de visão em programas de rádio e TV só com o intuito de fazer marketing, sem o amparo de bases racionais, mas com carimbo populista.
Esse vício joga os políticos no lodaçal do oportunismo. Voltemos ao início do texto. Não se faz da crise um exercício de busca de oportunidades, mas uma chance para oportunistas. Esquecem, porém, que exibem na testa a marca de medíocres, figuras de baixa expressão, mercadores de benefícios e recompensas. A dignidade não os conhece.
Do escritor argentino José Ingenieros, em "O Homem Medíocre": Ser digno significa não pedir o que se merece: nem aceitar o imerecido. Enquanto os servis sobem, por entre as malhas do favoritismo, os austeros ascendem pela escadaria das suas virtudes”.
Gaudêncio Torquato
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