Todas as vozes dos anjos já anunciaram, em notas de repúdio, em manifestos, que vem aí o golpe de misericórdia na democracia. As futuras vítimas, no entanto, continuam discutindo entre elas a quem cabe fechar a janela e evitar a desgraça.
O que se planeja agora é óbvio como o golpe do paco, quando no meio da rua um sujeito bom de lábia trocava um pacote de papel velho por grana de verdade. É antigo, sim, e daí? Bolsonaro virou presidente acreditando na máxima da malandragem, a certeza de que nunca ninguém perdeu dinheiro apostando na ignorância alheia. Nos próximos dias vai atualizar o paco em sua versão federativa institucional.
Eu preferia estar falando do golpe de vista, aquele em que o goleiro plantando no meio do gol, diante da excelência da falta cobrada pelo atacante, não tem nada a fazer além de olhar, em posição privilegiada, a bola adentrar o fundo de suas redes. Seria muito futebol para estádios em quarentena.
Bolsonaro, para usar as metáforas conjugais de que ele tanto gosta, deu o golpe do baú. Declarou amor à República, prometeu democracia à Nação e acima de tudo dormir toda noite de conchinha com a patroa, a loura Constituição de 1988. Mentira, era tudo mentira, como previa o samba de corno. Ele enganou geral. Bolsonaro confessou que vai para a cama abraçado com uma pistola embaixo do travesseiro, ignorante para as freudianices comunistas de que todo revólver é um símbolo fálico.
Golpista de raiz, não está nem aí para essas fake news sobre sua heterossexualidade macha. Quer apenas um pretexto qualquer para sair atirando e usar a munição que, decreto atrás de decreto, põe no coldre dos homens de bem. Resta ao país a curiosidade mórbida de saber que tipo de golpe ele dará. Ainda há nas prateleiras as opções do autogolpe, do golpe de estado e do golpe de mão.
Desde a campanha de 2018, Bolsonaro dá o golpe da barriga. Deixa visível na silhueta um empacotamento mal-ajambrado de cintas e coletes, a lembrança sempre exposta aos fanáticos de que levou uma facada - e isso o tornaria o mártir escolhido para ressuscitar a inspiração cívica maior, o golpe de 1964.
O golpe do João sem braço também lhe seria apropriado. Segundo o professor Deonísio da Silva, é aquele dado pelo “preguiçoso, omisso ou trapaceador”. Na origem da expressão, “o golpista amarrava um dos braços sob a roupa, fingindo ser mutilado de guerra para obter esmola”. Bolsonaro, 28 anos de omissão como deputado federal, insinua, como autêntico João sem braço, que precisa do golpe pois o Congresso e o STF lhe amarraram as ações.
Deve ser desprezada apenas a possibilidade de Bolsonaro aplicar um golpe de mestre. Seria um tipo de oximoro, o encontro de palavras que se contrapõem. Mestre e Bolsonaro, definitivamente, são incompatíveis.
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