segunda-feira, 8 de junho de 2020

O mensageiro da morte

O confinamento nos tornou melhores. As pessoas se telefonam. Os mais novos ligam para os mais velhos. Os mais velhos ligam para os ainda mais velhos. Queremos saber como vão. Querem saber como vamos. Quem recebe o telefonema sente-se querido e reconfortado —alguém gosta de nós e quer se certificar de que estamos bem. Trocam-se ideias sobre como tornar o dia a dia menos vazio. E fala-se de amigos que se foram ou que estamos a ponto de perder.

Enquanto trocamos mensagens de vida, Bolsonaro exala o bafio da morte. Seu desprezo pela dor de seus governados é acachapante —morram quantos morrerem, isso não é com ele, é com “o destino”. Nenhum filho, pai ou esposo dos já atingidos mereceu uma palavra sua, exceto “E daí? Não sou coveiro”. Nenhum médico ou enfermeiro, que a cada minuto corre risco de contágio, recebeu um gesto de solidariedade de sua parte.


Curiosamente, só nós perdemos parentes, amigos e pessoas que admiramos, ou que não conhecemos, mas passamos a admirar por seus obituários. É como se a Covid só levasse os bons, os decentes, os que tinham o que dar à vida. Ainda não fiquei sabendo da morte de ninguém próximo de Jair “Porra” Bolsonaro ou Ricardo “Boiada” Salles. Ou das sumidades fardadas que passaram a dar as ordens no Ministério da Saúde e a esconder o número de casos. Ou dos prefeitos que estão mandando as pessoas para a rua, justamente agora que, com uma morte por minuto —por enquanto—, a pandemia se aproxima do seu apogeu.

Logo chegaremos a um milhão de infectados. Eles sofrerão a falta de leitos, de respiradores e de médicos nos hospitais e perceberão como, desde o começo, Bolsonaro trabalhou para matá-los. Muitos desses foram eleitores dele. Mas, de novo, para Bolsonaro, e daí? Eles já votaram em 2018 e o elegeram.

E Bolsonaro espera não precisar mais dos seus votos. Nem dos de mais ninguém.
Ruy Castro

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