O lugar da fala hoje é de Bruna da Silva, mãe de Marcos Vinícius, morto a tiros em junho de 2018, aos 14 anos, no Complexo da Maré. Com a coragem das mães, com a fala desabrida de quem sabe que a verdade está de seu lado, Bruna levou camisa e mochila manchadas de sangue de Marcos para Rodrigo Maia. Pediu que a Câmara dos Deputados vete a lei anticrime. Não chorou. As lágrimas secaram. Bruna citou 13 vezes “meu filho”.
“Eu mandei meu filho impecável para a escola e o Estado me devolveu ele assim (mostra a camisa ensanguentada). Isso aqui não é uma afronta pro senhor não, tá bom? É pro senhor entender que foi o que o Estado me deu. A gente na favela cobra o estudo de nossos filhos, a única coisa que a gente fala para os filhos é que na nossa vida a gente só leva os estudo. Com a aprovação desse pacote criminoso, vai ficar ruim pra gente. Já tá ruim. Eu tenho uma única filha, a Maria Vitória, de 13. A minha filha continua sendo alvo. Na minha laje eu fui alvo a semana passada porque a Civil entrou dando tiro. Me viu em cima da laje. Atirou com helicóptero. Eu recolhi três projétil com a cápsula marcada de verde. Aí eu pergunto, o excludente de ilicitude. Será que essa Casa (a Câmara) tá pronta pra aprovar isso? Porque, se essa Casa estiver pronta, vai ser muito sangue derramado. E automaticamente vai ser aqui que a gente vai vir cobrar, porque essa aqui é uma Casa do povo. A maioria das leis que nos mata lá fora sai daqui de dentro. Se é do povo, não pode sair lei daqui que nos prejudique lá fora, tá entendendo? Então a gente tá aqui, representando o Brasil, aquelas pessoas que não têm voz, pedindo sua ajuda, que o senhor venha olhar pra gente, para cada história, eu não tenho mais o Marcos Vinícius em casa, o meu filho me faz falta. O meu filho me fez uma pergunta na UPA. ‘Mãe, pelo amor de Deus, o que foi que eu fiz? A polícia não me viu com roupa e material de escola?’ Eles viram. Porque meu filho foi morto numa Operação de Vingança. A Core (elite da Civil) veio se vingar do Complexo da Maré (pela morte de um policial em Acari).
Era 9 horas da manhã. Meu filho foi baleado na rua da minha casa. Não tinha operação. Tinha um blindado plantado na rua. E os policiais da Civil com touca Ninja e sem identificação, porque é assim que eles agem. Só que agora, né, tem a faca. Eles já matam a gente a bala, agora com faca também? A gente vai sofrer. Sofrer por que, se essa guerra não é nossa? Por que esse reflexo respinga na gente? Tá aqui. Isso aqui é o sangue de meu filho. É o meu DNA que tá aqui. Eu perdi meu primogênito, meu lado alegre, o meu filho homem, o meu filho tava doido pra ter barba no rosto, o meu filho não acreditou em quem deu aquele tiro. E a gente sempre conversava, filho, dia de operação cuidado quando você estiver vindo aí da escola, e ele, não, mãe, não corro esse risco porque eu tô com roupa, tá vendo. O meu filho usava uma mochila preta. O meu filho teve o cuidado de trocar a mochila dele. ‘Mãe, posso ficar com essa mochila abóbora?’ Eu falei, mas meu filho, a tua preta é nova. E ele, não, porque estudante de mochila preta na favela, o policial atira. A polícia atirou no meu filho com essa mochila abóbora. Essa aqui é a marca de sangue do Marcos. Aí eu te falo. Não dá pra gente cruzar os braços e deixar que o Estado entre, nos mate e fique por isso mesmo. O Estado tem que ser responsável por essas mortes. Tem que haver investigação, eles têm que cumprir pena. A gente cumpre pena...a gente paga quando a gente erra. E essa lei anticrime, ela é criminosa, porque vai diretamente pro povo. Essa lei é direcionada pra gente dentro de favela, da Baixada, no asfalto, essa lei não é válida para a Zona Sul do Rio de Janeiro. O sangue que jorra é o sangue do pobre, não é o sangue nobre. Então que o senhor venha acolher nosso pedido de socorro, o senhor como o presidente da gente”.
O “excludente de ilicitude” é aquele item do pacote de Moro que inocenta policiais que matam por “escusável medo, surpresa e violenta emoção”. Ora, esses sentimentos surgem em toda operação em favela porque policiais morrem também. Claro que a proporção de policiais mortos é infinitamente menor que a de suspeitos. Crianças assassinadas “por engano” se tornam “perdas colaterais” na guerra com bandidos em comunidades abandonadas pelo Estado. Em nenhum lugar do mundo isso deu certo. O pacote de Moro, como está, estimula a matança e a impunidade.
O “excludente de ilicitude” é aquele item do pacote de Moro que inocenta policiais que matam por “escusável medo, surpresa e violenta emoção”. Ora, esses sentimentos surgem em toda operação em favela porque policiais morrem também. Claro que a proporção de policiais mortos é infinitamente menor que a de suspeitos. Crianças assassinadas “por engano” se tornam “perdas colaterais” na guerra com bandidos em comunidades abandonadas pelo Estado. Em nenhum lugar do mundo isso deu certo. O pacote de Moro, como está, estimula a matança e a impunidade.
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