Nos anos da ditadura, sob a sombra da cumplicidade do Estado, e também nos anos que se seguiram, sob o regime democrático, continuaram, no campo, a barbarizar posseiros, pequenos proprietários e nações indígenas. Nas cidades, constituíram os “esquadrões da morte”. Investigavam, prendiam, julgavam, condenavam e executavam.
Depois da Constituição de 1988, os governos eleitos pelo povo, infelizmente, não estimaram a gravidade do processo. Imersos e envolvidos em jogos conciliatórios, pareciam não ver a cobra se agigantando.
Nos anos recentes, no quadro da deliquescência do Estado, sobretudo em bairros populares, nas periferias das grandes cidades, a cobra cresceu e engordou. Já começa a se aproximar dos bairros de classe média e de gente abastada. Sua principal oferta, como sempre, é proporcionar segurança. Um paradoxo, pois, sob o domínio do arbítrio, o que reina é a insegurança. Pouco a pouco, assenhoram-se de outros serviços: gás de botijão, água mineral, eletricidade, internet, transporte alternativo. Impõem preços de monopólio e intimidam e matam os que protestam. Na etapa atual, em novas metástases, almejando o poder político legal, começaram a eleger vereadores e deputados, aproximando-se de áreas centrais do poder.
De sorte que as milícias se tornaram hoje uma das principais ameaças à democracia brasileira. É o que nos diz Cid Benjamin, em “O Estado policial”, muito mais que um livro, um manual de sobrevivência nestes tempos sombrios.
O autor relaciona, analisa e interpreta este e outros perigos. Começando pelos dispositivos legais. Entre outros, os mais temíveis: a Lei de Segurança Nacional que, desde sua primeira edição, em 1935, não tem feito mais do que proteger o Estado contra a cidadania. E a Lei das Organizações Criminosas, editada por uma distraída Dilma Rousseff, criminalizando os movimentos populares e ameaçando os que se atreverem a desafiar a Ordem.
A internet e seus instrumentos — celulares, computadores, notebooks e tablets — merecem capítulo próprio. Promessas de liberdade entrelaçadas com mecanismos de controle que podem fazer desta geração a última a dispor de privacidade e liberdade. Como e quando usar ou não estas engenhocas, evitando-se a queda nas malhas de eventuais perseguidores, eis o desafio. Como driblar câmeras, microfones e outros mecanismos de vigilância que se somam a técnicas mais antigas: as infiltrações policiais, o uso de “cachorros”, os dedos-duros a serviço, e as “montarias”, que podem, sem querer, levar à perda os próprios companheiros.
Nestas engrenagens, menção especial merece a tortura, velha tradição nacional, política de Estado ao tempo das ditaduras, recurso permanente contra negros e pobres, estes suspeitos de sempre.
Em linguagem acessível e convincente, sem deixar de recorrer, às vezes, ao humor, antítese da sinistrose, Cid Benjamin discute caminhos e opções, oferece dicas, gingas de corpo, rotas de fuga. Trata-se de defender as lideranças e os movimentos populares de ataques que já vêm sofrendo e que podem ainda piorar. Mas os prognósticos do autor são otimistas. Vai passar. E lembra o poeta: amanhã será outro dia. O recurso dos que mantêm esperança: o futuro será melhor. O problema, como advertiu Tocqueville, é que o futuro sempre chega tarde demais.
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