sábado, 5 de outubro de 2019

O futurismo chegou atrasado ao Brasil

O futurismo foi um movimento artístico criado pelo poeta italiano Filippo Tommaso Marinetti em 1909, com um manifesto explosivo publicado na primeira página do jornal francês “Le Figaro”. Os futuristas detestavam tudo que consideravam velho, antigo e passado — museus, bibliotecas, tradições, academias, o culto à beleza e à natureza — e adoravam as novidades do século XX — as multidões, o automóvel, a velocidade, as fábricas, as máquinas, o avião, o cinema, a fotografia — “assim como no século XXI somos deslumbrados com as tecnologias digitais”, como observa Jason Tércio na esplêndida biografia do modernista Mário de Andrade, “Em busca da alma brasileira”.

Surpreendia no futurismo, além de suas pinturas, desenhos, textos e músicas incompreensíveis, o encanto pelo militarismo, as armas, o patriotismo e a guerra, em contradição com a sua proposta de uma nova arte, contra tudo que aí está. É bizarro que um movimento radicalmente libertário e anárquico glorificasse a força bruta, a disciplina e a xenofobia contra o humanismo, o racionalismo e o iluminismo. Esses italianos deviam estar muito loucos, o haxixe, a cocaína e o ópio eram livres na Europa da Belle Époque...


Donald Trump não sabe, mas é um futurista. Seu desprezo pelas artes, pela natureza, pela história e pela cultura combinam com seu belicismo, seu militarismo, seu ultranacionalismo e sua intolerância autoritária. O futurismo americano se nutre da fartura econômica.

No Brasil endividado, o futurismo chegou atrasado, 110 anos depois do manifesto de Marinetti, que, não por acaso, veio ao Brasil em 1936 para fazer conferências e propaganda do fascismo como representante do governo Mussolini.

Nosso futurismo é passadista, com revisões históricas falsificadas, nostalgia autoritária, guerra à liberdade individual, devoção ao Estado, crença em teorias anticientíficas e mitos religiosos, no poder das armas e do militarismo, confirmando a máxima do professor Pedro Malan: “No Brasil até o passado é incerto.”
Nelson Motta

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