O presidente da OAB declarou guerra à gestão Bolsonaro, protegendo criminosos contra o governo. Assim como os terroristas comunistas haviam declarado guerra aos governos militares. E não há guerra sem que haja efeitos colaterais. Na carta raivosade um bolsonarista, emergem os signos de uma lógica compartilhada: a política como guerra permanente, o impulso do extermínio físico do “inimigo”.
Troque as senhas ocas de um discurso ritual —“terroristas comunistas” por “agentes do imperialismo”, “governos militares” por “poder bolivariano”— e, mágica!, agora quem fala é Mônica Valente, a representante oficial petista no ato de solidariedade a Nicolás Maduro. Quando Bolsonaro ergue um brinde aos torturadores do DOI-Codi, como ignorar o brinde petista aos seviciadores do Sebin? Almas gêmeas: Bolsonaro inveja a tortura que, por um acidente da história, não infligiu; o PT inveja a tortura que, por um acaso da geografia, não aplicou.
A guerra pode ser interpretada como continuação da política (Clausewitz), mas o inverso só é verdadeiro nas ditaduras. Nas democracias, o pluralismo assenta-se na crença de que ninguém —nenhuma corrente política— possui o monopólio da verdade ou da virtude. Daí, as convicções democráticas de que a oposição cumpre papel positivo, apontando alternativas às ações do governo, e de que a crítica veiculada pela imprensa ajuda a limitar o exercício excessivo do poder pelas autoridades. Bolsonaro, como antes dele o PT, abomina o pluralismo —e o suprimiria, se pudesse.
Os populismos nascem no chão da democracia, pelo voto popular, mas desencadeiam insurreições autoritárias que almejam destruí-la. “Nós” contra “eles”: o “inimigo do povo”, na narrativa do PT, converte-se no “inimigo da pátria”, na versão de Bolsonaro. Quem não recordou, ao ouvir Bolsonaro sobre Glenn Greenwald, as palavras de Lula sobre Larry Rohter? De uma pulsão exterminista à outra, giramos em círculos sem sair do lugar.
Pepe Mujica descobriu que o regime de Maduro é uma ditadura, nada além disso. O raio esclarecedor tocou-o, finalmente, com a publicação do relatório da ex-presidente chilena Michelle Bachelet, alta comissária da ONU para direitos humanos, que descreve as prisões arbitrárias, as torturas e os assassinatos extrajudiciais cometidos sistematicamente na Venezuela. Mas, para interditar a hipótese de repúdio diplomático uruguaio à tirania chavista, o líder da facção dos ex-tupamaros na aliança governista acrescentou que ela, a ditadura, “pertence a eles”, os venezuelanos.
À luz da democracia, o adendo tático de Mujica está errado. As ditaduras, inclusive as “estrangeiras” e as “do passado”, pertencem a todos nós. Isso é o que está escrito nas leis nacionais e nos tratados internacionais de direitos humanos. Os corpos mortos, mutilados, de Albán e do capitão Acosta, assim como o cadáver desaparecido de Fernando Santa Cruz e de tantos outros, são parte de nós, da aventura humana no mundo. Hoje, no Brasil, são algo mais: pertencem ao presente e demarcam uma encruzilhada civilizatória.
As celebrações paralelas do terror de Estado —a do PT, em Caracas; a de Bolsonaro, em Brasília— explicitam projetos políticos simétricos. Inimigos-irmãos, eles se merecem. Nós os merecemos?
Demétrio Magnoli
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