O Brasil deve, portanto, penitenciar-se diante do mundo, porque demonstrou, no dia 2 de setembro de 2018, descaso pelo seu principal patrimônio histórico-científico criado por dom João VI, há 200 anos. Isso vem numa sequência de perdas irreparáveis, e, mesmo assim, muitos outros tesouros continuam padecendo de abandono e depredação, pois prevalecem a incúria administrativa e o desrespeito da população pelos bens da comunidade.
O Museu Nacional havia celebrado o bicentenário no dia 6.6.2018, sem a presença das autoridades maiores da República, apesar de convidadas. Tinha surgido como Museu Real, em 1818, no Campo de Santana, sendo transferido para o antigo palácio imperial, na Quinta da Boa Vista, em 1892. Desde o início, dedicou-se à produção de conhecimento, abrigando, nas últimas décadas, cursos de mestrado e doutorado em antropologia, arqueologia, botânica e zoologia, além de especializações em linguística e geologia. Ele atraiu sempre importantes nomes da ciência mundial, como visitantes e mesmo pesquisadores por vários anos.
A destruição desse ambiente de trabalho é especialmente dolorosa para a antropologia, porque consumiu a produção original de figuras ilustres desde Edgar Roquette-Pinto (1884-1954), Heloísa Alberto Torres (1895-1977) e Luís de Castro Faria (1913-2004), que trabalharam ali por muitos anos, formando centenas de profissionais e traçando rigorosos métodos de investigação em diferentes temas sobre as populações indígenas e os brasileiros.
Houve gestos heroicos de pesquisadores que arrombaram portas para resgatar alguns tesouros, arriscando a própria vida. Criterioso rescaldo pode trazer de volta instrumentos, fósseis e minerais de inestimável valor, mas muitos estudantes e professores perderam, certamente, copiões de teses ou textos prontos para o prelo, sem exemplar em sua casa. Como retomar a normalidade? Como reconstruir tudo em outro ambiente?
Mesmo assim, o país não se emenda. Estão surgindo medidas para conferir a segurança de outros tesouros nacionais, mas o melhor acervo de história natural e de antropologia da América Latina está perdido para sempre.
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