Não poderia ser diferente, com a concessão de alguns bilhões de dinheiro público destinados para causa própria de quem aprovou a lei. Facilita-se, assim, a camuflagem do caixa 2 de antigos financiadores, que, tendo sido secados pela Lava Jato, pretendem, como nunca, manobrar debaixo do pano do fundo eleitoral.
Tudo se fez em Brasília, aberta e sorrateiramente, para inviabilizar as candidaturas avulsas, expressão mais democrática de um país realmente civilizado, e limitar a irrisórios dez salários o aporte do próprio candidato para sua campanha. Ficou proibido gastar por amor à pátria os recursos que o cidadão ganhou com seu trabalho honesto, taxado pela maior carga tributária das Américas. Não poderá enfrentar o mal que castiga a nação com meios iguais.
Os cuidados meticulosos para eliminar as possíveis brechas para renovação foram arrematados pelos senadores, aqueles que passam pela maior rejeição de todos os tempos. Determinaram a exclusão dos cidadãos que estavam dispostos a imolar, com gesto patriótico, recursos lícitos e honrados para tentar salvar o país. A reserva de mercado inclui canalhas e afasta voluntários. A Venezuela é o quadro desenhado pelo Congresso.
A formula de restrições é tão velha quanto Pedro I, que, apesar de ter trazido de Portugal uma imensa biblioteca para uso da família e de quem por ele fosse autorizado, proibiu a comercialização e a impressão de livros no Brasil. Tudo para ele se manter no trono e excluir qualquer outra possibilidade.
A teoria congressual é a de secar a vegetação viçosa para que os cactos imperem num ambiente eleitoral desertificado. Ao parlamentar em exercício, milhões; ao cidadão, R$ 9.690 de recursos próprios para disputar a mesma cadeira.
O atual Congresso, em sua estrepitosa maioria, comprova ser o mais atrasado do planeta. Razão da desgraça nacional. Preocupa-se em estrangular a democracia. E quando se represa a manifestação da sociedade mais exitosa, o conflito entre público e privado se agrava. Será o dinheiro público e o caixa 2 a fazer a festa.
Extirpou-se a concorrência, impondo-se um desequilíbrio acintoso e tirando-se a possibilidade da disputa em igualdade. Poucos poderão usar qualquer meio, e ao resto só fica a sola do sapato. As urnas estão assim programadas. Afastou-se um requisito imprescindível, ou clausula pétrea de democracia, a “par condicio” (quer dizer, o tratamento isonômico numa disputa), para se instalar a “impar condicio”, ou jeitinho safado. Se fosse para limitar o poder econômico de quem possui bens e decide imolar parte deles numa campanha, a melhor condição do sistema democrático seria rebaixar o teto de todos. Que se coloque R$ 9.690 para qualquer um que deseje concorrer ao pleito, poupando recursos públicos que faltam para os mais carentes.
Por qual fantástica e aloprada razão um cidadão que exerce cargo de deputado tem direito a R$ 3 milhões de verba para se reeleger e, na mesma lei, se limitam todos os demais ao ridículo valor de R$ 9.690? Verdade que poderiam receber de outros cidadãos essa mesma quantia, mas como, no exíguo período de 45 dias de campanha? Todos iguais: isso, sim, daria à democracia um tom diferente.
A fórmula escolhida pelo Congresso mais execrado de todos os tempos reafirma os motivos de sua estratosférica impopularidade. É bem possível que essa regra absurda venha a arrasar perante a opinião pública o pouco que sobra de credibilidade em Brasília.
Rasga-se o artigo 3º da Constituição, que estabelece como objetivo da República, entre outros, “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”, e o bem conhecido artigo 5º: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se (...) a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”. Caberia aos partidos, que são entes legitimados, impetrar uma Adin. Mas não surpreende: estão todos de acordo. E a gloriosa OAB ou a Procuradoria Geral? A democracia vive um triste apagão.
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