É só analisar. Se réu não pode ser eleito e empossado mas pode ser candidato… Se condenado em segunda instância ainda não puder ser presidiário mas puder ser candidato… Se condenado puder ser eleito mas não puder ser preso, pois então todos os processos ficam suspensos… A conclusão é que o poderoso que conseguir manobrar essa confusão pode ficar acima da lei, inalcançável por ela, até mesmo gozando da compreensão de membros das altas cortes “para não incendiar o país” (como um deles chegou a declarar, se é que o fez mesmo e não foi algum estagiário de má-fé que lhe atribuiu tais palavras).
Outro degrau para analisar: o da Lei da Ficha Limpa. Tenho por ela um carinho maternal. Fui uma entre as 1.600.000 pessoas que assinaram a petição para lhe dar vida. Para que existisse, o caminho foi longo. Seu relator na Câmara foi José Eduardo Cardozo, deputado petista que honrou seu mandato e depois foi ministro da Justiça. Sua aprovação nas duas casas do Congresso foi praticamente unânime. Entrou em vigor depois de sancionada pelo então presidente Lula quando ainda dava para o país acreditar nele — antes do resumo terrível feito pelo juiz em Porto Alegre na semana passada ao afirmar que “lamentavelmente Lula se corrompeu”. Agora querem dar um jeitinho para que a lei não se aplique a ele? Ou a outros no mesmo andar? A lei tem de ser igual para Lula e Temer, para Cunha e Renan, para Aécio e Cabral, para Maluf, Jucá e Geddel, e quem mais chegar. Que sejam todos investigados, processados se for o caso, e julgados, com direito a se defender. Que o foro privilegiado para os que ocupam cargos não sirva de salvo-conduto para o crime. E, para os que tiverem sentenças confirmadas em segunda instância por um órgão colegiado, que a Ficha Limpa seja cumprida, e esses condenados não possam se candidatar. Como determina a lei.
Toda essa conversa agora sobre possibilidade de acordos e conchavos entre políticos e juízes de modo a inventar manobras e recuos é inaceitável. Os tribunais precisam garantir justiça igual para todos. Não podem ajudar a blindar qualquer candidatura ilegal, afrontando a democracia e consolidando o escárnio de que nem todos sejam iguais perante a lei. A sociedade brasileira não aceita que o STF “se apequene” para se ajustar a casos específicos, como definiu a ministra Cármen Lúcia ou que jeitinhos venham encolher o nosso Judiciário, esgrimindo o garantismo como desculpa. Já chega termos sido apanhados de surpresa na decisão do Congresso sobre Dilma, quando Renan e Levandowski se uniram para tirar do bolso o insólito fatiamento que a deixa candidatar-se agora. Não é possível que ainda queiram nos enfiar goela abaixo mais uma chicana.
Nunca antes na história deste país alguém pretendeu invocar o direito de se asilar na Presidência para escapar do presídio. Se isso for adiante, é porque não sobra resquício de Justiça.
Ana Maria Machado
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