Um exemplo: a decisão de Michel Temer de nomear Cristiane Brasil como ministra do Trabalho. Ela foi processada duas vezes na Justiça do Trabalho. Sua nomeação foi bloqueada. Temer insiste.
Com o caso prestes a ser julgado no Supremo, Cristiane Brasil aparece num barco dizendo barbaridades. O que mais repercutiu foi a forma de sua aparição, cercada de homens sem camisa, gritando “É isso aí, doutora”.
Mesmo se estivesse num convento cercada de piedosos frades, ela simplesmente mostrou que não conhece o tema para o qual foi designada: “Não sei quem passa na cabeça dessas pessoas que entraram na justiça contra mim.”
Ao dizer isso, revelou uma falha abissal na sua consciência política. Não ficou claro se ao pronunciar “quem” no lugar de “o que”, ela estava se referindo a uma possível entidade que baixa na cabeça das pessoas — um exu, uma pombajira — quando decidem reclamar seus direitos.
Temer diz que é uma escolha política. Entende por política apenas a relação com o Congresso. Falta nele a dimensão da sociedade. Acredita que basta frequentar programas populares de tevê. Falhas na operação de transplante.
A consciência de Itamar Franco, transplantada com êxito, não hesitaria diante do problema. Ele afastava ministros apenas por aceitarem hotel pago pela Odebrecht.
Foi tudo muito alterado no carbono político brasileiro. Os trabalhadores são insultados com uma escolha de uma ministra processada na Justiça do Trabalho, que nem sabe que santo baixa nas pessoas que reclamam direitos trabalhistas.
No passado, as entidades sindicais protestariam. Mas não se ouvem seus lamentos, nem nas ruas nem no Congresso. Algumas se concentram na defesa de seu líder condenado; outras estão envolvidas no toma-lá-dá-cá de Brasília.
A alteração transforma a cena política brasileira num show de horror. Uma ministra indicada dizendo aquilo e os homens sem camisa afirmando: todo mundo é processado na Justiça do Trabalho.
Quando digo show de horror não estou fazendo nenhuma alusão aos problemas que preocupam Temer. Ele confessou que sofria muito com a história de que estava ligado a práticas satânicas.
Tudo isso é uma bobagem. Assim como também acho injusto o apelido que ACM deu a Temer: mordomo de filme de terror.
Convivi com Temer alguns anos e o acho uma pessoa tranquila. Ele se parece com uma pessoa cordial. Não há nada de errado externamente. O problema foi esse possível transplante de consciência que não deu certo. Alguns reflexos desapareceram.
As evidências mostram como seu projeto de investir em Cristiane Brasil é um equívoco político. Mas em vez de dar graças a Deus porque juízes bloquearam a nomeação, decide lutar até o fim.
Vão morrer abraçados, Cristiane, Temer, os quatro homens sem camisa e até o ministro Carlos Marun, que, desde o tempo em que defendia Eduardo Cunha, não tem a tecla contato com a realidade social.
“Vocês queriam que ela estivesse de burka?”, perguntou Marun aos repórteres. Ninguém a quer usando burka ou biquíni. O que a consciência dos políticos precisa incorporar é simplesmente isto: é errado nomear não apenas acusados de corrupção mas também pessoas que ignorem o conteúdo de sua pasta.
Marun está para Temer como estava para Cunha: pronto para defender o chefe, não importa se as circunstâncias são constrangedoras.
Com a mesma expressão séria com que afirmava a inocência de Eduardo Cunha, agora se dedica não só a atacar procuradores mas a defender o direito de Temer de indicar seus ministros, sejam quem forem.
Neurônios se perderam na operação, sinapses tornaram-se impossíveis. Interessante é que chamam isso de política. Não percebem que para a própria sociedade, política é algo muito mais amplo e aberto.
O aliado maior de Temer, o PT, queria nos convencer que o objetivo último da vida é consumir eletrodomésticos e viajar de avião. Em nome dele, valia tudo. A parte da quadrilha que sobreviveu quer nos fazer crer que o objetivo central da vida é uma aposentadoria segura. Em nome dela, vale tudo.
O vírus chamado fins justificam os meios acabou se introduzindo na consciência com tanta força na cena política, e talvez seja ele que acionou a degradação do programa mental, tornando a política algo tão vulgar quanto uma pornochanchada.
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