A construção de um estado democrático de direito se transformou numa panaceia. A Constituição de 1988, por mais paradoxal que pareça, é invocada por aqueles que sistematicamente solapam a democracia. O acusado de corrupção — muitas vezes, em vídeos e áudios, aparece negociando propinas milionárias — desdenha dos fatos. Em um primeiro momento, busca se afastar das luzes, orientado por especialistas que se dedicam a esta atividade. Depois chega o advogado — geralmente de um escritório com excelentes relações com as cortes superiores de Brasília. Ambos sabem que o acusado é corrupto. Aproveitam até para cobrar um “plus,” pois o criminoso está em situação delicada. Não perguntam, em nenhum momento, a origem dos pagamentos pelos seus serviços. E quando conseguem evitar a prisão e a condenação do político, o que geralmente ocorre, ficam ainda melhor posicionados neste mercado antirrepublicano aguardando uma nova denúncia. E isto se repete a cada semana. O cidadão, ao ver que o crime compensa, identifica no regime a raiz dos males. Democracia deixa de ser o império da lei, transformando-se em sinônimo de corrupção.
E o que dizer das acusações que pesam sobre o presidente Michel Temer? A elite política vê com naturalidade a acusação de corrupção passiva, obstrução da Justiça e formação de organização criminosa. Temer é aprovado por 3% da população. E a vida segue como se tudo isso fosse normal, e não produto da degeneração da democracia. Quando seus defensores jurídicos utilizam argumentos semelhantes aos da defesa de Lula, não é mero acaso. É que os dois são produtos de um mesmo sistema. Sistema que levou ao segundo turno das eleições presidenciais de 2014 uma presidente que perdeu o mandato por crime de responsabilidade e um opositor que, no momento, está afastado do mandato de senador e é obrigado, por determinação judicial, ao recolhimento domiciliar no período noturno.
O sentimento de impotência domina o cidadão. Fazer o quê? Como participar da vida política? Ou, ao menos, como simplesmente votar? Em quem? O voto ainda tem valor? Muda alguma coisa? A desmoralização das instituições chegou ao ponto máximo. Não há paralelo com qualquer momento da nossa história. O longo domínio petista colaborou em muito para chegarmos a esta situação. Mas não é o único responsável. Basta citar os escândalos do atual governo. A questão, portanto, não é partidária, mas estrutural.
Frente a esta conjuntura, a resposta do cidadão é encontrar uma solução rápida, que considera eficaz. Entende que no sistema que aí está, não há nenhuma possibilidade de mudança. A cada momento em que o estado democrático de direito é invocado por um advogado de corrupto, cresce ainda mais a intolerância à democracia. Uns passam a considerar o golpe militar como a redenção do país; outros defendem o separatismo — é, o separatismo voltou — como meio de acabar com a corrupção e a insegurança.
Citar a Constituição vai ficando um discurso vazio, pois não há uma relação entre a Carta Magna e o cotidiano. Todo arcabouço legal construído nas últimas três décadas não tem, para o cidadão, aplicação prática. Quando milhares de policiais e soldados, com auxílio das Forças Armadas, não conseguem sequer capturar um bandido — como no recente caso da Rocinha e o marginal Rogério 157 — o cidadão pergunta: para que serve esta tal de democracia?
O regime democrático somente é compreendido como algo que está a serviço da cidadania quando, ao menos, demonstra eficácia legal e administrativa. Não é o caso atual. A fratura entre a sociedade civil e o Estado cresce a cada dia. De nada adianta negar a crise. Isto só alimenta o autoritarismo. Michel Temer quer — e deve conseguir — impedir que o STF aprecie a segunda denúncia da PGR. Os parlamentares só pensam na eleição do ano que vem e de como vão manter seus mandatos e seus negócios. O STF — “guardião da Constituição” — continua tomando decisões absurdas. E a democracia pode estar dando seus últimos suspiros derrotada pelo autoritarismo.
Marco Antonio Villa
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