segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

Patrimonialismo agora

Empregamos a expressão “patrimonialismo” para designar a apropriação privada de recursos públicos. E tendemos a ver o fenômeno como resquício do passado sobrevivendo deslocado no presente.

Não é. O patrimonialismo nada tem de estático. Responde a processos históricos diversos e assim vai se transformando no tempo. Bobagem dizer coisas do tipo “isso vem desde as capitanias hereditárias”. Não faz sentido algum postular esse tipo de “continuidade”.

Uma coisa é Thomé de Souza dar a Ilha de Itaparica de presente a um parente seu que nunca pôs os pés aqui. Outra é a Odebrecht, que começou como pequena empresa de engenharia de um filho de imigrantes, voltada para saldar dívidas que a família contraiu durante a perseguição aos alemães aqui, no enredo da II Guerra.




No campo do patrimonialismo político é o mesmo lance. O berço esplêndido não conta. Uma coisa é o rei nomear o governador-geral, outra é um ex-metalúrgico se eleger presidente e passar a fazer parte da nova elite patrimonialista do país.

Sérgio Cabral foi menino pobre do Engenho Novo, zona norte do Rio. Quando conheci Jaques Wagner, ele dividia um quarto-e-sala com um hoje ex-amigo dele, chamado Alberto Dourado.

O que quero dizer é o seguinte: se o patrimonialismo persiste (contrariando tudo o que se pode entender por democracia) não é como sobrevivência arcaica de nosso passado, mas como interesse vivo e real do presente.

Para seguir a conhecida classificação sociológica, divisamos hoje em nosso ambiente, com muita nitidez, as formas dos patrimonialismos político, empresarial e funcional. Não raro, entrelaçadas.

O que veio à luz, com a Lava Jato e outras investigações, foi uma articulação poderosa, em escala e intimidade historicamente inéditas, entre poder político e poder econômico.

Entre outras coisas, vimos que parte do empresariado, mancomunada com governos do PT-PMDB, simplesmente comprou fatia considerável do Congresso Nacional, que assim perdeu seu sentido público, sua razão mesma de ser.

Jogam juntos empreiteiras, estatais, partidos políticos, etc. E até um banco como o BNDES, cujo nome, agora, não é mais que uma ironia: banco do “desenvolvimento social”. Deveria ser rebatizado como BNP, Banco Nacional do Patrimonialismo. E fim de papo.

Ou seja: o patrimonialismo hoje nada tem a ver com o tal do berço esplêndido, nem existe como herança histórica simplesmente. O que temos é um patrimonialismo atual, mantido por grupos poderosos que dominam a paisagem brasileira contemporânea.

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