Mais de 100 mortes depois, o que se vê agora são medidas requentadas, muitas delas acertadas, mas que não precisariam ser emergenciais tivessem sido cumpridas em urgências anteriores e se tornado práticas permanentes.
Como não são absorvidos como políticas de Estado, programas desse tipo, por mais bem intencionados, não prosseguem. E têm de ser reinventados quando as crises anunciadas explodem.
Outros, como a construção de novos presídios, são apenas mais do mesmo, já se sabendo, de antemão, que não têm o condão de resolver o problema.
O improviso não se limita à política carcerária. Está em todos os cantos, em todas as esferas de poder.
Em 2013, as megamanifestações de junho, inicialmente concentradas no congelamento das tarifas de ônibus urbanos, levaram a então presidente Dilma Rousseff a anunciar investimentos de R$ 50 milhões em mobilidade, com nada ou quase nada saindo do papel.
Dilma foi mais longe. Tirados sabe-se lá de onde, lançou cinco propostas inexequíveis, por ela apelidadas de pactos, sem dizer de quem com quem. Pacto pela responsabilidade fiscal, princípio para o qual o seu governo fazia pouco caso. Outro, pela saúde, incluía apenas a importação de médicos (a maioria cubanos) para solucionar as graves carências do SUS. O pacto pela Educação se limitava a dedicar 100% dos royaties do pré-sal à área, e o mais inusitado de todos, o da reforma política, viria por meio de uma Constituinte exclusiva.
Fora a desoneração na folha de pagamentos dos operadores de transporte urbano, nenhum dos demais pactos andou. Valeram apenas como marquetagem. Assim como várias obras do PAC, programa que se dizia revolucionário e empacou nas suas duas versões, lançadas com pompa e circunstância para satisfazer o calendário eleitoral.
A reforma política é a campeã nas gambiarras. Há décadas vem à tona como solução para todas as panes. Mas nunca ganha corpo. Só alguns remendos, a maior parte em benefício dos autores, aprofundando o abismo entre o eleitor e o eleito. Mexe-se no periférico - fundo partidário, tempo de propaganda no rádio e TV, prazo de desincompatibilização para ser candidato -, deixando de lado o essencial: sistema de votação, se proporcional, distrital ou misto, possibilidade de recall e voto facultativo.
Na área econômica não é diferente. O sistema tributário brasileiro é indecifrável. Sobre as costas do cidadão pesa uma das maiores cargas tributárias do planeta, embutida aqui e acolá. No final, ele não sabe o que paga, quanto paga e a quem paga.
A barafunda é tamanha que leis tributárias são criadas para corrigir erros de outras, sem que as anteriores sejam extintas. Um caso típico é a compensação dos Estados no caso de desoneração de ICMS. O Supremo teve de fixar prazo até o final deste ano para que o Congresso aprove a lei complementar prevista na Lei Kandir, de 1996, e que nunca foi feita.
O improviso, que nas artes se conecta com a criatividade, é, na política, fruto do desinteresse, da indiferença, do desdém - e da corrupção -, itens fartos no ambiente da coisa pública.
Predomina na educação, com políticas alteradas a bel prazer dos governantes da vez, seja na União, nos estados ou nos municípios. Nas obras de infraestrutura, na burocracia que atrasa e encarece a vida de muitos e enriquece alguns, na totalidade dos serviços que o Estado tem obrigação de colocar à disposição das pessoas.
O desprezo é de tal monta que a ausência de remédios ou médicos em postos de saúde é tida como natural, que soterramentos em épocas chuvosas são tratados como acidentes imprevisíveis, que esperar anos a fio faz parte da dinâmica de uma Justiça que sempre tarda, que homicídios têm de frequentar o cotidiano dos brasileiros.
Estão corretíssimos aqueles que reivindicam planejamento. Mas não só na questão carcerária, e sim na totalidade das áreas delegadas pela a sociedade à gerência do Estado. E há de se avançar além dos planos -- anunciados com espalhafato e poucas vezes executados --, sem o que se perpetua o império do descaso.
Nenhum comentário:
Postar um comentário