domingo, 4 de setembro de 2016

Tempos de expressão superlativa

Os estilos da galinha e da pata servem para comparar protagonistas da política. A primeira põe um ovo pequenino, mas cacareja e todo mundo vê, enquanto a segunda põe um ovo maior e ninguém nota. O ovo da pata, segundo os nutricionistas, é mais completo que o da galinha, mas é este que gera atenção, intenção, desejo e ação – a fór­mula AIDA – para estimular seu consumo. E o êxito se deve porque a fêmea do galo sabe alardear seu produto, cumprindo rigorosamente o preceito maquiavélico: “o vulgo só julga aquilo que vê.”


Para compreender como o cacarejo adquiriu importância central em tempos de campanha eleitoral, é oportuno lembrar as tintas que desenham nossa iden­tidade. Os estudiosos do ethos nacional costumam apontar, entre os valores que o plasmam, a falta de precisão, a adjetivação excessiva, o individualismo, a propensão ao exagero. Somos um povo de lingua­gem destemperada e de pensar fluido, indeterminado, misterioso. Por isso o Brasil passeia na gangorra, ora sendo o “melhor dos melhores”, ora figurando no pior dos mundos. Ainda como pano de fundo para a verborragia, o País manteve, apesar da dimensão continental, a uni­dade linguística, o que facilita a capilarização de ideias e robustece a matriz do pensamento. Sob essa configuração, tem sido fácil aos nossos governantes pôr um aditivo no verbo e exagerar o tamanho de seus esforços. Por isso, em relação aos feitos administrativos, a verda­de acaba bem antes do final dos relatos.

O cacarejo da glória

Antes mesmo de divisarmos as primeiras pontes que nos con­duziram ao Estado-Midiático da era moderna, nossos mandatários, com muito cacarejo, acrescentavam palmos de altura ao seu tama­nho, elevando as benesses dos governos e a grandeza das Nações. Basta olhar para os contornos do Estado Novo, emoldurados pelas cores do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) getulista. Mergulhamos nas águas do Brasil potência, sob a onisciente comu­nicação do ciclo militar. Resgatamos os albores democráticos, a par­tir de 1986, com o governo Sarney, ouvindo mais uma vez cacarejos que vendiam as glórias de planos econômicos.

Foi um marco: toda a Imprensa aclamava aquilo que deveria ser o fim definitivo do flagelo da inflação, o Plano Cruzado. As donas de casa se autoproclamavam fiscais do Sarney e corriam aos supermercados para vigiar os preços congelados. Os empresários se viram acuados.

Mas economistas sérios e apartidários alertavam para aquele voo de galinha, pois congelamento de preço de bens, serviços e taxa de câmbio nunca foi remédio eficaz contra a inflação.

Resumo da ópera: passada a eleição daquele ano, com preços congelados, a coligação governista PMDB-PFL conseguiu 77% das cadeiras do Congresso Nacional. Em seguida a inflação rompeu os diques da represa e explodiu. Foi um dos maiores estelionatos eleitorais da história e o povo pagou caro, com inflação de mais de 50% ao mês.

Falácias assim acabaram frustrando a população. Perplexos, assistimos depois ao marketing exacerbado do furacão Collor – vendido como “Caçador de Marajás”. O confisco da poupança ficou escondida do cacarejo. Os brasileiros tomaram um susto. Entramos depois na era palanqueira de Luiz Inácio, que durou dois mandatos. O gogó deu o tom geral até desembocarmos nos tempos de atropelo linguístico da presidente Dilma. Que foi apresentada à população como gerente de alta qualidade. A expressão, em todo o ciclo petista, dividiu o país ao meio: nós e eles. Esse foi o bordão repetido à exaustão.

Um calvário de amarguras

O cacarejo atingiu o clímax. O Brasil foi elevado à máxima potência em matéria de igualdade social, assistencialismo, redenção dos marginalizados, progresso material, enfim, o país nunca foi tão feliz. Mas quando o discurso ultrapassa os limites do bom senso, vira um bumerangue. Onde está a grandeza do ciclo petista? Os 30 milhões que teriam ascendido ao meio da pirâmide estão descendo para a base. O rombo de 170 bilhões nas contas públicas mostra a desorganização do sistema petista de governar. Os 12 milhões de desempregados vivem um calvário de amarguras. A inflação alta consome os parcos recursos das margens carentes. Felizmente, o modelo petista de governar chega ao fim. A era Michel Temer se inicia. Um novo modelo de governar se abre. Temer quer inaugurar o presidencialismo mitigado, um governo compartilhado com o Congresso Nacional.

Vamos aguardar. A título de curiosidade, lembremo-nos de Temístocles, o altivo ateniense, não era de cacarejar. Convidado para tocar cítara numa festa, o general declinou: “Não sei música, o que sei é fazer de uma pequena vila uma grande cidade.” Regra geral, nossos governantes das três esferas federativas, afinando o tom com o maior dos tocadores, não hesitam em aceitar convites para mane­jar cítara, clarineta ou trombone. Abandonam o foco. Grande parte prefere trombetear no marketing que fazer de suas cidades e Estados territórios desenvolvidos e civilizados. O momento de cantar loas a si mesmo é este dos tempos eleitorais. Promessas mirabolantes são trombeteadas na mídia eleitoral. Exageros se multiplicam. Municípios passam a ter todos os seus problemas equacionados: educação de alta qualidade, transportes coletivos modernos, rápidos e confortáveis, sistemas de saúde salvadores.

Muitos se banham na fonte das grandes ideias. Esquecem-se do ensinamento de Gogol: “Não é por culpa do espelho que as pessoas têm uma cara errada.” É a ruína que o mo­delo pirotécnico de prometer coisas oferece ao Brasil.

Não se questiona a necessidade de candidatos e governantes comunicarem aos seus públicos ações e diretrizes de seus governos. Mas é seu dever comprovar a viabilidade de suas promessas, o que exige comunicação séria, livre de firulas. A mensagem deve ser apropriada. O que é mensagem apropriada? Na seara dos candidatos, é o acerto de boas propostas. O que é desapropriado? O uso da mentira, das versões fantasiosas, dos verbos populistas, enfim, da expressão superlativa: somos os maiores, os melhores, os mais qualificados, os mais adequados ao município. O Brasil carece enterrar a venda de ilusões, as mentiras, o engodo.

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