Outro dia, uma implicou com uma fonte ornamental que tenho em minha sala e que embala o meu escrevinhar. Não adiantou eu enumerar os benefícios para o bem-estar e a sanidade mental advindos de uma fonte, tais como: em dias de muito calor, umidifica o ar, refrescando o ambiente, e o barulhinho da água acalma, relaxa... E quem no campo democrático não precisa de uma válvula de escape em tempos tão bicudos? Sem falar que uma fonte diminui exponencialmente a necessidade do ar-condicionado. Em suma, diminui a conta de luz!
“O Brasil pegando fogo, a democracia em risco, sendo destruída, eu precisando conversar sobre política porque estou muito angustiada, pergunto o que está fazendo, e a resposta é que está limpando sua fonte! Morri! Além da simplicidade voluntária de cuidar de seu mundo de cactos, só falta agora ser seguidora do feng shui!”.
Repeti o que estou lembrando porque as recriminações preconceituosas foram longas e chatas. Respirei. Indaguei se havia terminado. Minha cabeça estava a mil. Como se não bastasse a onda fascista em curso no país, aparece uma amiga babaca com dor de consciência. Que fase!
“Amada, ‘me erra’! Cuide de sua vida que da minha cuido eu. Aliás, sempre cuidei. Só não entendo por que está implicando com meus cactos, minha fonte e minha opção pela filosofia da simplicidade voluntária”.
E enveredei, colocando na vitrine que ela fazia um discurso antigo e carcomido, típico de uma visão política que não vai além do uso da política para fins eleitoreiros; que estava sendo antidemocrática ao extremo e discursando que está preocupada com o ataque à democracia que estamos vivenciando!
E lacrei: “O que você fez durante tantos anos para que não chegássemos aonde estamos, fora arrotar que a luta de classes havia acabado, só porque o objetivo final de vocês era gerenciar a crise do capitalismo no Brasil?”.
Estou onde sempre estive desde que comecei a fazer política: ao lado do povo, defendendo suas demandas mais prementes por cidadania – por justiça racial/étnica, por justiça de gênero, enfim contra todas as opressões, incluindo a de classe!
“Acha que uma fonte poderia melhorar meu estado de espírito?” Ai, que susto eu tive! “Não estou nem dormindo direito, mesmo tomando calmante”.
“Ah, vai ter de apelar para o feng shui” – cultura milenar chinesa de harmonização de ambientes – e toda a sua teorização sobre a conservação das energias positivas e o redirecionamento das energias negativas, que afirma que as fontes de água corrente têm o poder de neutralizar energias negativas e atrair energias positivas. Se bem não fizer, mal não fará.
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