Cultura são os cantores das noites, as bandas de amigos, os blocos de carnaval, os artistas das ruas, os artesãos das feirinhas, os homens dos cordéis, as mulheres das rendas, os repentistas do sertão, os funkeiros dos morros, os violeiros do pantanal, os rappers da periferia, os aposentados das praças, os pintores e escritores independentes, os poetas dos bares…
Cultura independe do governo. Cultura não se fabrica. Não se controla. Cultura é como o mercado. Acontece. Incontrolável. Indomável como a língua, que se transforma o tempo todo, a despeito do que os acadêmicos planejam. Quando a cultura vira política de governo, deixa de ser cultura. Vira panfleto.
O fim do ministério da Cultura teria um único resultado prático: Artistas que se acostumaram a com o dinheiro do governo teriam que captar recursos diretamente na sociedade.
Se o MinC e as leis de incentivo fossem extintas, pessoas como Chico Buarque teriam que fazer mais shows para manter seus estilos de vida. Teriam que se aproximar do povão. Aqueles que não quiserem se “vender ao mercado” buscando patrocínio de empresas privadas, teriam que fazer campanhas de crowdfuding na internet, assim como milhares de artistas independentes já estão fazendo. Com toda certeza, artistas consagrados não teriam dificuldades em viabilizar seus projetos a partir de doações espontâneas de pessoas comuns, suas fãs. As produtoras que se especializaram em captar recursos via leis de incentivo teriam que se especializar em captar recursos no mercado, na sociedade.
O ministério da Cultura representa um dos piores efeitos da democracia: A maioria sendo obrigada a financiar projetos que apenas uma pequena minoria usufrui. Cidadãos sendo obrigados, via pagamento de impostos, a bancar projetos que não lhes interessam. Filmes inteligentinhos. Exposições grotescas. Livros que ninguém lê.
O argumento de que o fim do MinC seria um atentado contra a cultura nacional insulta os inúmeros artistas que trabalham por conta própria, vivendo do talento que têm, sustentando suas vidas e suas artes na medida em que satisfazem outras pessoas.
O ministério da Cultura sempre foi um cabidão de empregos e uma fonte de dinheiro para uma elite composta por artistas famosos ou apadrinhados.
O ministério da Cultura é um vetor de concentração de renda. Metade dos recursos captados em 2015 foram destinados a apenas 3% dos projetos aprovados. Como levantou o Spotniks, entre 2005 e 2015 o orçamento da Ancine saltou de R$ 19 milhões para R$ 660 milhões, obtendo resultados nada proporcionais. Em 2008, foram lançados 79 filmes. Em 2015, 128. O número de expectadores cresceu de 89 para 155 milhões no período, porém, mantendo a média de 12% de interesse nos filmes nacionais. O que isso significa? Que por mais que se injete dinheiro no setor, o grande público não passa a se interessar mais pelos filmes nacionais; e por uma razão muito simples: A maioria das produções é feita apenas para o prazer da elite cultural.
E por falar em cinema…
A maior produção cinematográfica do mundo está na Índia, onde são feitos mais que o dobro do número de filmes feitos em Hollywood, sem dinheiro do governo. Sem programas de proteção ao cinema nacional, apenas 10% dos filmes assistidos na Índia são americanos. Os indianos pobres assistem até 5 vezes mais filmes do que os ricos. São vendidos mais de 3 bilhões de ingressos por ano. Na Índia, atores e produtores não trabalham para emocionar Hollywood, Cannes ou Berlin. Trabalham para emocionar dos indianos.
Falta honestidade ao cinema brasileiro.
A Ancine se assemelha em conceito, prática e resultado ao BNDES. Ambos injetaram dinheiro público em determinados setores que hoje continuam dependentes do governo, comprovando o que os liberais dizem desde sempre: Subsídios geram ineficiência.
A TV Brasil, criada por Lula, têm quase zero % de audiência, mas conta com um orçamento de meio bilhão por ano. Por que o povão não assiste o canal? Porque sua programação é um lixo. É para isso que existe o governo: Dizer que lixo é cultura.
É preciso esclarecer que a lei Rouanet não é uma simples lei que converte impostos em investimentos culturais. A burocracia do “benefício” exclui a quase totalidade dos artistas, já que para desvendá-la é necessária a contratação de uma agência ou produtora especializada. Por isso não vemos micro e pequenas empresas patrocinando artistas desconhecidos. Elas não conseguem sequer preencher os formulários, dada a complexidade e restrições da papelada.
Mesmo que um projeto vença a burocracia, ele e seu autor serão avaliados por uma comissão com escancarado viés ideológico. Projetos ou artistas avaliados como ameaça aos ideais socialistas são vetados. Parece exagero, mas é assim mesmo que funciona. Em resumo, a lei Rouanet é uma mera formalidade entre amigos.
Graças a lei Rouanet, R$ 1,4 bilhão deixaram de ser pagos em impostos em 2015. A título de comparação, a Polícia Federal contou com uma verba de R$ 1 bilhão no mesmo ano; e Dilma, antes de sair, mandou reduzir a verba da PF em 13%.
A extinção do MinC não acabaria com a cultura nacional. Acabaria apenas com a elite cultural bancada com dinheiro público, fazendo com que a classe artística e intelectual se tornasse mais criativa, se aproximasse mais da sociedade, se tornasse independente.
Ainda não foi dessa vez.
Acuado, Michel Temer recriou o MinC uma semana depois de extingui-lo. Não suportou a pressão.
Comprovou-se, assim, que a elite cultural utiliza seu poder de mobilização apenas em benefício próprio, esbanjando demagogia, arrogância e soberba. Apesar do discurso, não tem nada de altruísta. É completamente indiferente à situação do país. Exige que seus projetos sejam tratados com prioridade nacional. Não tem pudor em dizer que se não tiver acesso ao dinheiro público, a cultura do país cairá em desgraça. Não por acaso, dessa elite nunca vimos um único protesto contra os absurdos do governo do PT. Foram 13 anos de bajulações.
A cultura somos nós. Eles são os parasitas.
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