Apesar de todos esses esforços, não há consenso sobre o que é – ou deveria ser – a democracia.
Variedades de Democracia
Há 13 anos, um grupo de cientistas políticos da Suécia, Chile e Estados Unidos se reuniram para conversar sobre os problemas das bases de dados existentes sobre democracia no mundo. Dessa conversa surgiu a ideia de propor uma nova abordagem. Há 6 anos, lançaram o Projeto “Variedades de Democracia”.Em vez de escolher uma definição única (e necessariamente incompleta) de democracia, os dados de “Variedades de Democracia” permitem avaliar o regime político de cada país a partir de sete “princípios democráticos”, os quais estão baseados em diferentes visões do que é democracia: eleitoral, liberal, participativa, majoritária, consensual, deliberativa e igualitária. Esses princípios são então desagregados em componentes menores, como a realização de eleições regulares, independência do Poder Judiciário, igualdade de gênero, e assim por diante.
Para o cientista político David Altman, da Pontifícia Universidade Católica do Chile, a base de dados funciona como uma espécie de “Lego”. Assim como as crianças juntam as peças do jogo de acordo com a sua criatividade, pesquisadores e formuladores de políticas públicas também podem criar suas próprias análises, selecionando dados a partir dos seus interesses específicos.
Isso não quer dizer que o Projeto proponha uma visão supostamente “neutra” ou “imparcial” sobre democracia. A comparação com outras bases de dados existentes dá algumas pistas. A principal diferença é que “Variedades da Democracia” (V-Dem) põe muita ênfase na igualdade como parte da definição de democracia. E a dimensão de democracia igualitária é operacionalizada de forma abrangente, a partir de dois componentes: proteção igualitária (direitos e liberdades iguais) e a distribuição igualitária de recursos (a garantia do acesso a necessidades básicas para a realização de direitos). Ou seja, não apenas a igualdade política, mas também um nível mínimo de igualdade socioeconômica é considerado fundamental para qualquer análise sobre a qualidade das nossas democracias.
O Projeto vai muito além, portanto, do foco em eleições e no exercício de alguns direitos políticos, que é o mais comum nas classificações de regimes políticos disponíveis.
Outra contribuição importante do projeto é a proposta de um Índice de Empoderamento Global de Mulheres, que inclui não apenas dados sobre as possibilidades formais de participação (como o direito a voto), mas também sobre a capacidade que as mulheres têm de realizar escolhas e de atuar politicamente na sociedade (acesso igualitário à justiça, participação em organizações da sociedade civil, etc.).
Também é interessante a correção de um viés presente em outras bases, que não incluem (ou veem como algo negativo) experiências de participação direta e de mobilização da sociedade. A base de dados de Variedades da Democracia (V-Dem) inclui dados sobre democracia direta que permitem uma análise comparada desde 1900.
Democracia no Brasil
Uma análise preliminar dos dados sobre o Brasil, realizada pelos pesquisadores Fernando Bizarro Neto e Michael Coppedge, mostra os importantes avanços alcançados pelo país nas últimas décadas. Não surpreendentemente, no entanto, encontram gargalos importantes no que se refere à dimensão igualitária da democracia. Apesar dos esforços dos últimos anos, continua sendo um importante desafio. Mais interessante é a identificação do componente participativo como outro gargalo para o desenvolvimento democrático, apesar das inúmeras experiências participativas recentes.Esses gargalos só são visíveis graças à abrangência das informações coletadas pelo V-Dem. Se usássemos as definições mais usuais de democracia, que restringem a análise à dimensão eleitoral e a direitos liberais (como a proteção da propriedade privada), os gargalos mencionados não apareceriam ou simplesmente não seriam considerados relevantes.
Os dados do V-Dem estão disponíveis de forma gratuita e são facilmente acessíveis pela página do Projeto (clique aqui).
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