quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

O que é democracia?

Organizações internacionais, ONGs e governos gastam bilhões de dólares por ano para promover a democracia pelo mundo. Em países democráticos, governos e sociedade civil estão permanentemente debatendo maneiras de melhorar a qualidade do regime político e o funcionamento das instituições.

Apesar de todos esses esforços, não há consenso sobre o que é – ou deveria ser – a democracia.


No dia 4 de janeiro foi dado um passo importante para avançarmos nesse debate. Nessa data, aconteceu o lançamento mundial de uma nova base de dados sobre democracia, tão esperada pelos cientistas políticos que estudam o tema quanto o lançamento da nova edição de Star Wars pelos fãs de Luke Skywalker. O projeto “Variedades de Democracia” promete revolucionar as discussões sobre democracia, graças à visão multifacetada de democracia proposta e à escala dos dados apresentados: são mais de 350 indicadores de democracia de 1900 aos nossos dias. Em torno de três mil especialistas em democracia foram mobilizados em 176 países para fornecer dados.

Variedades de Democracia

Há 13 anos, um grupo de cientistas políticos da Suécia, Chile e Estados Unidos se reuniram para conversar sobre os problemas das bases de dados existentes sobre democracia no mundo. Dessa conversa surgiu a ideia de propor uma nova abordagem. Há 6 anos, lançaram o Projeto “Variedades de Democracia”.

Em vez de escolher uma definição única (e necessariamente incompleta) de democracia, os dados de “Variedades de Democracia” permitem avaliar o regime político de cada país a partir de sete “princípios democráticos”, os quais estão baseados em diferentes visões do que é democracia: eleitoral, liberal, participativa, majoritária, consensual, deliberativa e igualitária. Esses princípios são então desagregados em componentes menores, como a realização de eleições regulares, independência do Poder Judiciário, igualdade de gênero, e assim por diante.

Para o cientista político David Altman, da Pontifícia Universidade Católica do Chile, a base de dados funciona como uma espécie de “Lego”. Assim como as crianças juntam as peças do jogo de acordo com a sua criatividade, pesquisadores e formuladores de políticas públicas também podem criar suas próprias análises, selecionando dados a partir dos seus interesses específicos.

Isso não quer dizer que o Projeto proponha uma visão supostamente “neutra” ou “imparcial” sobre democracia. A comparação com outras bases de dados existentes dá algumas pistas. A principal diferença é que “Variedades da Democracia” (V-Dem) põe muita ênfase na igualdade como parte da definição de democracia. E a dimensão de democracia igualitária é operacionalizada de forma abrangente, a partir de dois componentes: proteção igualitária (direitos e liberdades iguais) e a distribuição igualitária de recursos (a garantia do acesso a necessidades básicas para a realização de direitos). Ou seja, não apenas a igualdade política, mas também um nível mínimo de igualdade socioeconômica é considerado fundamental para qualquer análise sobre a qualidade das nossas democracias.

O Projeto vai muito além, portanto, do foco em eleições e no exercício de alguns direitos políticos, que é o mais comum nas classificações de regimes políticos disponíveis.

Outra contribuição importante do projeto é a proposta de um Índice de Empoderamento Global de Mulheres, que inclui não apenas dados sobre as possibilidades formais de participação (como o direito a voto), mas também sobre a capacidade que as mulheres têm de realizar escolhas e de atuar politicamente na sociedade (acesso igualitário à justiça, participação em organizações da sociedade civil, etc.).

Também é interessante a correção de um viés presente em outras bases, que não incluem (ou veem como algo negativo) experiências de participação direta e de mobilização da sociedade. A base de dados de Variedades da Democracia (V-Dem) inclui dados sobre democracia direta que permitem uma análise comparada desde 1900.

Democracia no Brasil

Uma análise preliminar dos dados sobre o Brasil, realizada pelos pesquisadores Fernando Bizarro Neto e Michael Coppedge, mostra os importantes avanços alcançados pelo país nas últimas décadas. Não surpreendentemente, no entanto, encontram gargalos importantes no que se refere à dimensão igualitária da democracia. Apesar dos esforços dos últimos anos, continua sendo um importante desafio. Mais interessante é a identificação do componente participativo como outro gargalo para o desenvolvimento democrático, apesar das inúmeras experiências participativas recentes.

Esses gargalos só são visíveis graças à abrangência das informações coletadas pelo V-Dem. Se usássemos as definições mais usuais de democracia, que restringem a análise à dimensão eleitoral e a direitos liberais (como a proteção da propriedade privada), os gargalos mencionados não apareceriam ou simplesmente não seriam considerados relevantes.

Os dados do V-Dem estão disponíveis de forma gratuita e são facilmente acessíveis pela página do Projeto (clique aqui).

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