Além do tumulto sórdido de Brasília, parece que sobreveio uma apatia silenciosa, um embotamento desesperançado de quem está sequestrado, amarrado e impotente. O país está quieto, como que pasmo com a infâmia.
Por ora, o povo ("nós, o povo") projeta apenas na elite política detestada a causa de problemas que na verdade refletem divisões profundas do que fazer de políticas e fundos públicos. Caso o que temos como elite política fosse abduzida para os infernos, o que seria decerto útil, os problemas no entanto ainda estariam aí, a começar pelo que fazer do Estado, da divisão dos dinheiros públicos, das normas que regulam a economia.
Essa classe política, raramente tão desclassificada mesmo neste país, não é capaz de dar conta da administração mais comezinha, que dirá de representar e dar sentido a essas divisões.
O buraco é muito mais profundo e sujo. A oposição reafirmou ontem seu acordo tácito com o presidente da Câmara dos Deputados, que continua a nos insultar com a sua presença na vida pública; o governo por ora faz uma espécie de pacto de não agressão provisório com esse tipo.
A ruína econômica prossegue sem limite. O comentário econômico diário parece um tanto risível e repetitivo, limitado pelas idas e vindas do terceiro lado do triângulo das Bermudas do nosso naufrágio, o PMDB.
O PMDB (facção governista) fazia ontem um arranjo para postergar o julgamento das contas de Dilma Rousseff, a contragosto de outra facção, que quereria manter também o Congresso em que o partido abandonaria a presidente, isso antes do escambo mefítico de ministérios. Essa dança dos vampiros gente empaca o impeachment, e todo o resto.
De que adiantam tais detalhes? O triângulo odioso da nossa desgraça (governo, oposição, PMDB) está alheado da realidade, ensimesmado na sua pequenez, para dizer o mínimo. Vivemos assim uma vez, mais ou menos de 1987 a 1990. Mas o povo, então mais desinformado, era iludido com o circo de planos econômicos; se fazia uma Constituição nova, haveria eleições com "outsiders" e aparentes novidades, em 1989. Onde estão as válvulas de escape de agora?
"O povo assistiu àquilo bestializado, atônito, surpreso, sem conhecer o que significava". A frase surradíssima é a de Aristides Lobo, publicada em artigo de jornal de 18 de novembro de 1889 a respeito do desfile militar que três dias antes proclamara a República. Gasta como seja, vez e outra vem a calhar, de modo sinistro.
Apesar da observação sobre a reação estupidificada que o povo da rua do Rio observara a queda inopinada do Império, Lobo era ainda otimista no artigo (mas seria ministro do governo militar por apenas dois meses, depois deputado e senador).
Não é o caso de agora.
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