domingo, 2 de agosto de 2015

O teatro da guerra

O general Jesus Baquedano, que participou das guerras contra a Confederação Peru-Bolívia e do Pacífico, nas revoluções da década de 1850, adotava diante do inimigo uma única estratégia, que gritava a plenos pulmões: “Atacar”. Impetuoso e considerado por seus compatriotas homem de coragem suicida, dizia que seu método, mesmo à custa de milhares de mortos, economizava tempo.

O militar chileno era adepto da estratégia direta, amparada na ação frontal, um contra o outro, que tem como principal formulador Carl Von Clausewitz, o general prussiano que escreveu Da Guerra (1832), livro apreciado por Hitler.

Ao oferecer continuados conselhos à Dilma, todos na direção de correr o país, mostrar serviço e deixar de responder questões sobre a Operação Lava Jato, o ex-presidente Lula sugere à pupila que pense com a cabeça e arremeta com o coração, evitando a síndrome do touro que faz exatamente o contrário. Ou seja, que escolha a estratégia indireta, a do toureiro, que dá voltas ao redor do animal até fazê-lo cansar. 


Xadrez (Foto: Arquivo Google)
Ele mesmo vai seguir este caminho. Dessa forma, evitará o confronto direto, estilo Baquedano, fará rodeios pelo país, amortecendo o tiroteio que procura abatê-la. Com o tempo, poderia recuperar seu vetor de força, mesmo sob as larvas do vulcão econômico e da borrasca política.

O Brasil vive tempos de acirrados conflitos.

O aparato que se formou no entorno da Operação Lava Jato é uma complexa engenharia de guerra, nos termos da definição clássica de Clausewitz: “a guerra não é só um ato político, como um autêntico instrumento político, uma continuação do comércio político, um modo de levar o mesmo a cabo, mas por outros meios”.

A teoria de guerra conserva semelhança com a teoria política. Ambas trabalham com eixos comuns, como estratégia e tática; fricção entre atores; interdependência (a eficácia de um jogador depende das jogadas do outro); força como conceito não apenas mecânico, na medida em que abriga valores morais como autoridade, paixão, motivação e coragem, dos quais o exemplo é Gandhi.

Dito isto, vejamos como é nossa guerra política.

Os principais exércitos na paisagem dos conflitos são: os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário; o Ministério Público; os grupos de negócios privados; e os intermediários. Para ganhar a guerra, cada qual possui um arsenal composto por acusações/defesas, hipóteses/teses, argumentos/contra-argumentos, delações, versões, percepções.

Predomina, porém, o sentimento de que os atores que encarnam a luta do Bem contra o Mal levarão a melhor. O Mal, neste caso, é interpretado pelos indiciados na Operação Lava Jato. O juiz Sérgio Moro, os jovens procuradores do MP e os delegados da PF, sob a guarida das altas Cortes, saem-se bem como mocinhos e xerifes dos velhos faroestes.

Na guerra política, como no conflito militar, vale o princípio maquiavélico: “os meios justificam os fins.” Nesse caso, a propina foi o meio para se alcançar um fim. É o que dizem, agora, os delatores, cuja estratégia é a de confessar o crime para ter reduzida a pena, o que não o torna necessariamente um “herege arrependido”, eis que continua a usar armamento pesado para atacar ex-aliados e combatentes de exércitos até então coligados.
Ocorre uma inversão de papéis. Ao mudar de lado, o delator promove tiroteio entre advogados. Para alguns, importa garantir a liberdade provisória, mesmo sob o aperto de uma tornozeleira eletrônica.

Nas praças de guerra de Curitiba e Brasília, a palavra continua a ser a principal arma. É usada para desvendar a guerra iniciada há anos, quando um grupo de combatentes começou a cercar a fortaleza da Petrobras, utilizando armas leves que, ao longo do tempo, ganharam maior calibre.

Os recursos – doações, propinas – enchiam cofres de uma poderosa rede de mando. Conquistas foram alcançadas, suprindo, na vanguarda, campanhas políticas e, na retaguarda, cabos eleitorais e exércitos intermediários.
As batalhas, ao se aproximarem dos Senhores da Guerra, chegaram a uma intensidade nunca d’antes vista. Na paisagem devastada, alguns chefes de exércitos usam estratégias diferentes.

Aécio Neves, tucano, adota a estratégia direta, no melhor estilo de Clausewitz, orientando o ataque frontal à inimiga, para chegar a um final rápido e definitivo, tirando-a do comando do país.

Outro comandante tucano, Geraldo Alckmin, prefere a vida indireta, a de comer pelas bordas, deixando a adversária se consumir pela escassez dos próximos tempos.

Ao sugerir que sua pupila Dilma corra de encontro ao povo e, pouco a pouco, expanda força para enfrentar a batalha de 2018, Lula defende a estratégia de insuflar a retaguarda das margens, alternativa que tem para salvaguardar o projeto político do PT. Não será fácil.

A unidade dos exércitos aliados se esfarela. A guerra pode tomar novos rumos em função da fricção que ocorre nas divisões aliadas.

Um Senhor da Guerra, Eduardo Cunha, rompe publicamente com a comandante-em-chefe das tropas governistas, prevendo-se mais conflitos na frente dos combatentes encastelados no Congresso.

Ao escolher a estratégia do confronto, Cunha passa a liderar a vanguarda oposicionista. Arrisca-se muito. Nas guerras, costuma ganhar o exército mais bem guarnecido e treinado. Só comandantes com visão apurada do potencial dos adversários escolhem o confronto. Mesmo assim, isso não é suficiente para a vitória. Basta ver os exemplos de Napoleão e Hitler, dois cultores do embate direto. O imponderável – o inverno das circunstâncias – deve ser considerado.

A análise de balística no teatro da guerra demonstra que o poderio arrasador ainda está por vir. A cargo de mais exércitos de retaguarda, aqueles que detêm o poder de atirar com a letra da lei. Contra estes, não há salvação.

Gaudêncio Torquato

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