domingo, 29 de setembro de 2024

Direita perdida e elite inculta

A direita dividiu-se nessa eleição com conflitos de fazer sombra à sempre dividida esquerda. Jair Bolsonaro em cima de um palanque berrou duas vezes que Ronaldo Caiado é um governador covarde. O sócio de Pablo Marçal deu um soco no publicitário de Ricardo Nunes. Os 20% dos eleitores paulistanos que se dizem bolsonaristas entregam 48% de intenção de votos a Marçal e 39% a Nunes, segundo o último Datafolha. A Faria Lima, que administra o dinheiro poupado da classe média e dos ricos, se inclina por um candidato que não tem uma única ideia de como administrar a maior cidade do país. Um empresário dono de startup de educação para gestores diz que mulher não pode ser CEO. O agro tecnológico nada faz para se separar da lavoura arcaica. Vivem juntos.


Os fatos listados aqui parecem sem conexão, mas mostram a devastação que é a elite brasileira, e o resultado do processo político recente que transformou a direita em satélite da extrema direita antidemocrática e contra a ciência. Ronaldo Caiado é médico, foi a favor da vacina e das medidas protetivas. O xingamento de Bolsonaro foi por esse acerto. O evento revela que mesmo sobre 700 mil mortos, o ex-presidente continua contra a proteção da vida de brasileiros. Nada o demove do seu obscurantismo. Os Caiados têm poder em Goiás desde o começo da República, mas Ronaldo Caiado surgiu como líder do ruralismo de direita no período pós-ditadura. Propunha-se a defender suas ideias sobre o agronegócio dentro da democracia. Contudo ele esteve no palanque da Paulista, no último 25 de fevereiro, bajulando Bolsonaro numa manifestação de defesa do golpismo e dos golpistas.

No mesmo palanque onde se cultuou Bolsonaro como líder maior estava o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, que tem sido apresentado como bolsonarista democrático, como se essas categorias fossem conciliáveis. Estava também o prefeito Ricardo Nunes que, nos últimos dias, teve que abjurar a vacinação obrigatória contra Covid, que ele um dia apoiou por causa de Bruno Covas. O neto do grande democrata Mário Covas fez seu papel de líder contra a Covid. Mesmo sendo imunossuprimido, Bruno circulava por hospitais, lutando pessoalmente contra o vírus mortal. É esse legado que Nunes trai para tentar conquistar votos da extrema direita, que prefere Pablo Marçal.

Um acionista de um grande banco me perguntou: como é possível que a Faria Lima se encante por uma pessoa como Pablo Marçal? As escolhas políticas dos operadores de mercado financeiro não os recomendam como gestores do dinheiro alheio, por falta absoluta de visão estratégica. Pense numa cidade de 11 milhões de habitantes sendo administrada por um misto de arruaceiro, curandeiro, farsante, com propostas como fazer teleféricos em áreas planas e mandar os homens para a reciclagem.

Também não se recomenda um curso da G4 Educação. A startup foi fundada por Tallis Gomes e três sócios. A empresa treina gestores para os desafios do mundo atual. Ele ficou famoso por dizer “Deus me livre de mulher CEO” e sustentar que mulher gestora passa por um processo de “masculinização” e deixa o lar em “quarto plano”. Tallis tem 37 anos e carrega ideias medievais sobre a mulher, mas é professor de gestores. Foi afastado, porém permanece sócio de uma empresa que quer educar o mundo corporativo.

O país foi incendiado por criminosos. Em São Paulo, foram atacadas usinas de cana- de- açúcar. O agronegócio foi atingido diretamente. Na Amazônia, os incêndios são provocados para que depois da queima da floresta sejam feitos pastos para a pecuária. Aguarda-se ansiosamente que o agronegócio, que se diz bom, moderno e tecnológico, rompa publicamente com toda a cadeia de produção sustentada pelo crime. É possível fazer a rastreabilidade da produção brasileira e limpá-la do crime ambiental. Passa por mudar a pauta da bancada ruralista. Quem vai começar a ruptura? O primeiro bônus será o acordo com a União Europeia.

Uma democracia precisa de forças políticas de direita, esquerda, centro. Todas comprometidas com os valores institucionais da democracia. O progresso econômico exige gestores e empresários com visão de futuro e capazes de enfrentar desafios climáticos e de inclusão num país desigual. Com a direita capturada pelo autoritarismo, e a elite econômica subserviente ao atraso, o nosso projeto de potência ambiental, inclusiva e democrática fica mais distante.

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