As explicações são muitas, mas uma que se destaca é o aumento da desigualdade, um problema decorrente do capitalismo neoliberal, que também pode estar ligado de muitas maneiras à corrosão da democracia. A desigualdade econômica inevitavelmente leva à desigualdade política, embora em graus variados entre os países. Em um país como os Estados Unidos, que praticamente não impõe restrições às contribuições de campanha, “uma pessoa, um voto” se transformou em “um dólar, um voto”.
Essa desigualdade política está se autoalimentando, levando a políticas que consolidam ainda mais a desigualdade econômica. As políticas fiscais favorecem os ricos, o sistema educacional favorece os já privilegiados e a regulamentação antitruste inadequadamente concebida e aplicada tende a dar às corporações liberdade para acumular e explorar poder de mercado. Além disso, como a mídia é dominada por empresas privadas controladas por plutocratas como Rupert Murdoch, grande parte do discurso dominante tende a consolidar as mesmas tendências. Assim, há muito se diz aos consumidores de notícias que tributar os ricos prejudica o crescimento econômico, que os impostos sobre heranças são impostos sobre a morte e assim por diante.
Mais recentemente, aos meios de comunicação tradicional controlados pelos super-ricos juntaram-se empresas de redes sociais controladas pelos super-ricos, exceto que estes últimos se constrangem ainda menos na difusão de desinformação. Graças ao parágrafo 230 da Lei de Decência nas Comunicações de 1996, as companhias baseadas nos EUA não podem ser responsabilizadas por conteúdos de terceiros alojados em suas plataformas - ou pela maior parte dos outros danos sociais que elas causam (principalmente às garotas adolescentes).
Nesse contexto do capitalismo sem responsabilização, deveríamos ficar surpresos por tantas pessoas verem a crescente concentração da riqueza com suspeita, ou que elas acreditam que o sistema é manipulado? O sentimento generalizado de que a democracia produziu resultados injustos, minou a confiança na democracia e levou alguns a concluírem que sistemas alternativos podem produzir resultados melhores.
Esta é uma velha discussão. Setenta cinco anos atrás, muitos se perguntavam se as democracias poderiam crescer tão rapidamente quanto os regimes autoritários. Agora, muitos fazem a mesma pergunta sobre qual sistema “proporciona” maior justiça. No entanto, esse debate está ocorrendo num mundo em que os muito ricos possuem as ferramentas para moldar o pensamento nacional e global, às vezes com mentiras descaradas (“A eleição foi roubada!”, “As urnas foram fraudadas!” - uma falsidade que custou à Fox News US$ 787 milhões).
Um dos resultados tem sido o aumento da polarização, que prejudica o funcionamento da democracia - especialmente em países como os EUA, com suas eleições em que o vencedor leva tudo. Quando Trump foi eleito em 2016 com uma minoria do voto popular, a política americana, que antes favorecia a resolução de problemas por meio da conciliação, transformou-se em uma luta partidária descarada pelo poder, uma briga em que pelo menos um lado parece acreditar que não deveria haver regras.
Quando a polarização se torna tão excessiva, muitas vezes parecerá que os riscos são elevados demais para ceder em qualquer coisa. Em vez de buscar um terreno comum, aqueles no poder usarão os meios à sua disposição para consolidar suas próprias posições - como os republicanos vêm fazendo abertamente através de manipulações e medidas para suprimir o comparecimento às urnas.
As democracias funcionam melhor quando os riscos percebidos não são nem baixos demais, nem altos demais (se eles são baixos demais, as pessoas sentirão pouca necessidade de participar do processo democrático). Há escolhas de modelo que as democracias podem fazer para melhorar as chances de atingir esse meio-termo. Os sistemas parlamentares, por exemplo, encorajam a formação de coalizões e frequentemente concedem o poder a centristas, em vez de extremistas. A votação obrigatória e por classificação também demonstrou ajudar nesse aspecto, tal como a presença de um serviço público empenhado e protegido.
Há muito os EUA se consideram um farol democrático. Embora tenha sempre havido hipocrisia - desde Ronald Reagan se aproximando de Augusto Pinochet a Joe Biden não conseguindo se distanciar da Arábia Saudita ou denunciar a intolerância anti-muçulmana do governo do primeiro-ministro indiano Narendra Modi -, a América pelo menos personificava um conjunto compartilhado de valores políticos.
Mas agora a desigualdade econômica e política tornou-se tão extrema que muitos estão rejeitando a democracia. Isso é um terreno fértil para o autoritarismo, especialmente para o tipo de populismo de direita que Trump, Bolsonaro e o resto representam. Mas esses líderes mostraram que não têm nenhuma das respostas que os eleitores descontentes estão buscando. Pelo contrário, as políticas que eles adotam quando conseguem o poder só pioram as coisas.
Em vez de procurar alternativas em outros lugares, precisamos olhar para dentro, para o nosso próprio sistema. Com as reformas certas, as democracias podem se tornar mais inclusivas, mais responsivas aos cidadãos e menos responsivas às corporações e aos indivíduos ricos que hoje controlam o dinheiro. Mas salvar a nossa política também exigirá reformas econômicas igualmente dramáticas. Só poderemos começar a melhorar o bem-estar de todos os cidadãos de forma justa - e tirar força dos populistas - quando deixarmos o capitalismo neoliberal para trás e fazer um trabalho muito melhor na criação da prosperidade compartilhada que aclamamos.
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