Meio século atrás, no programa "A Hora da Buzina", de Chacrinha, "acontecia" quem inserisse primeiro no nariz um carretel de linha. O pano de fundo popularesco permitiu à emergente indústria da televisão granjear uma audiência de migrantes de primeira e segunda gerações nas periferias urbanas do Sul. Podia-se receber como prêmio um quilo de bacalhau ou um eletrodoméstico.
No palanque evangélico, a obtusidade ficou à demanda de um sentido. Exceto a garantia: fazer acontecer. À primeira vista, nada. Mas a mente aberta divisa uma lógica por trás desse tipo de ação, que tem tanto a ver com o cardápio de linguagem da extrema direita quanto com a semiose do espetáculo grotesco. "Acontecer" frente às câmeras de tevê era arranhar a superfície dos bons modos por meio de encenações que incitavam à hilaridade e excediam quase sempre as convenções do bom gosto.
Essa estética do rebaixamento, incipiente estratégia comunicacional da televisão, conheceu o auge no programa do Chacrinha e em correlatos de menor talento. Mas funciona hoje também como lógica de contato da ultradireita com seguidores. Primeiro, com pretensa simplicidade pessoal: humildade de exibir deficiências, ignorância subindo à cabeça, clichês cristológicos. Segundo, em vez de alegria, ódio ativado por algoritmos.
Nessa lógica, dispor de apenas um olho não seria contingência, mas a essência de alguém. Escondendo a prótese, sem devolvê-la, a dama estaria comunicando algo essencial de uma identidade supostamente desinformada aos olhos da audiência. Teria feito "acontecer" uma verdade. Acompanhada de outra acólita, poderia pedir que narrasse a subida de Cristo na goiabeira. Ou, pulando, falaria em línguas com ministro terrivelmente evangélico.
Tudo adequado à fórmula originária. A diferença é que o grotesco televisivo nada escondia, era mera bufonaria à vista. Já os franca-tripas e as prima-donas de agora servem de tapa-olho a tenebrosas transações, civis e militares. Reluzem ouro e diamantes. Chacrinha buzinaria: "Roda!" Mas já existe convocação policial em curso. Por isso, na sabença ácida das massas, circula o leonino "acontece sempre de manhã cedo (Federais, 171:0)".
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