No entanto, há 20 anos era difícil imaginar que o golpismo militar poderia se tornar novamente uma fonte de preocupação.
Afinal, os defensores da ditadura pareciam se restringir às comemorações emboloradas do golpe de 1964, manifestações de pequenos grupos neonazistas, e à circulação restrita de uma obra revanchista, publicada após a transição democrática, intitulada "O Livro Negro do Terrorismo no Brasil", mais conhecida como "Orvil", livro de trás para a frente.
Porém, em meio às investigações que se avolumam em torno de Jair Bolsonaro e dos militares que o apoiaram em suas intenções golpistas, os anos 1980 nunca pareceram tão atuais.
Em 1989, na coletânea Democratizing Brazil, a cientista política Maria do Carmo Campello de Souza publicou um texto intitulado: "A Nova República sob a Espada de Dâmocles".
Na época, a autora apontava que a transição democrática, baseada em uma frágil aliança entre o PFL e o PMDB, e que se dava em meio a uma grave crise econômica, estava incompleta. Passados mais de 30 anos, sem completar nossa transição democrática, ainda permanecemos sob a Espada de Dâmocles.
Ao contrário de outros países latino-americanos, o Brasil não responsabilizou as Forças Armadas por crimes cometidos pelo Estado durante a ditadura.
Para além das inúmeras injustiças que isso implicou às vítimas do regime, a memória do que ocorreu com os militares durante o período ficou comprometida dentro e fora dos quartéis.
De acordo com o cientista político e professor da Unesp Paulo Ribeiro da Cunha, os militares foram o grupo social que, proporcionalmente, foi mais afetado pela repressão da ditadura militar.
Segundo dados reunidos pela Comissão Nacional da Verdade, integrada por Cunha, o regime militar perseguiu, prendeu e torturou 6.591 militares. Entre estes estava o tenente Rui Moreira Lima, piloto de caça que enfrentou nazistas durante a Segunda Guerra Mundial.
Herói de guerra e membro condecorado das Forças Armadas, Lima se tornou brigadeiro, no entanto, isso não impediu que fosse preso e torturado pela ditadura militar por se opor abertamente ao golpe de 1964.
Nos anos 1970, Lima já trabalhava na iniciativa privada quando seu filho de 20 anos foi sequestrado por agentes da repressão.
A perseguição de militares comprometidos com a defesa da democracia sedimentou uma cultura política e institucional autoritária que sobreviveu após o fim do regime e resultou no que vivemos nos últimos quatro anos.
Agora, é urgente reverter o quadro.
Para além de responsabilizar e expulsar da corporação todos os militares que participaram direta ou indiretamente de atividades golpistas, bem como rever uma série de privilégios, injustiças e anacronismos, como o serviço militar obrigatório, será preciso transformar a cultura institucional e política da corporação.
O primeiro passo nesse sentido é resgatar sua memória e passar a celebrar os verdadeiros heróis das Forças Armadas do Brasil.
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