Foi um dos primeiros desbravadores da ideia de entender e cuidar do progresso levando em conta os limites ecológicos e o valor da biodiversidade. Sendo, por isso, necessário livrar a civilização da ânsia de aumentar a produção industrial e da voracidade por consumir produtos. Além de pensador e estrategista, Sachs foi um economista pragmático que ofereceu propostas concretas sobre como fazer funcionar economias sustentáveis em diversas regiões do mundo, inclusive na Zona da Mata e na Amazônia brasileiras. As mudanças climáticas fizeram suas ideias inovadoras serem aceitas, meio século depois de formuladas.
Mas essas não foram as únicas contribuições de seu pensamento pioneiro. Enquanto as ideias sociais e políticas eram polarizadas pela Cortina de Ferro, Sachs percebia e denunciava o capitalismo ocidental e o socialismo soviético como filhos da revolução industrial: produtos da arrogância antropocêntrica, irmãos siameses na construção da catástrofe ecológica. Enquanto a imensa maioria dos pensadores embarcava no delírio do poder ilimitado do avanço técnico, ele alertava para os riscos do descontrole da técnica sem valores éticos. Antes de quase todos, ele viu o planeta e a humanidade como mais importantes do que os países isoladamente. Sachs nos fez perceber que houve um tempo em que o mundo era a soma de países, mas no presente, cada país é um pedaço do mundo.
O nome Ignacy Sachs continuará vivo, como precursor, seja sinalizando os riscos que levarão à catástrofe civilizatória, seja como desbravador das ideias que permitirão a sobrevivência da humanidade. Essa mente brilhante e pioneira foi formada graças à vida cosmopolita de quase um século entre 1927 e 2023. Judeu, nascido na Polônia, pouco antes da ascensão do nazismo, veio refugiado para o Brasil com a família no início dos anos 40, onde fez o curso secundário e se formou em economia. Depois, optou por retornar ao seu país socialista, onde trabalhou com alguns dos mais importantes economistas marxistas.
Sachs fez doutorado na Universidade de Nova Délhi, na Índia dos anos 1950, primeiros anos de independência, onde teve acesso a grandes mestres e a um momento histórico do pensamento e da prática do desenvolvimentismo, em uma economia mista, capitalista, com forte participação do Estado. Retornando à Polônia, trabalhou como professor e planejador na construção da economia socialista sob orientação marxista. Até que, em 1968, nova perseguição antissemita promovida então pelo partido comunista, obrigou-o a asilar-se na França. Em Paris, como professor, tratou os brasileiros que chegavam no exílio como compatriotas, e em muitos deles deixou a marca de seu pensamento pioneiro, heterodoxo, cosmopolita, despertando em todos a visão crítica ao desenvolvimento depredador e inspirando o compromisso com o desenvolvimento sustentável.
Devemos a ele não apenas a orientação em nossos doutorados, mas sobretudo a mente livre de preconceitos ideológicos ou teóricos e comprometida com valores humanistas, na defesa do equilíbrio ecológico e da justiça social com democracia. Direta ou indiretamente, ele esteve por trás da filosofia que levou ao Proálcool, que criou o CDS da UnB, que promove o microcrédito, que busca combinar grandes e pequenas empresas, encontrar soluções simples para problemas complexos, adaptar modernas tecnologias importadas à realidade dos países pobres, construir economias mistas, onde a eficiência do setor privado combine com o planejamento e com o atendimento social graças ao Estado. Até mesmo a cooperação entre Índia, Brasil e África do Sul, que levou ao BRICS, tem a ver com uma estratégia proposta por ele há mais de 50 anos.
Sachs alertou para o mal que o crescimento econômico provocou sobre a Terra e inspirou como reorientar o progresso. Morreu dormindo, mas suas últimas palavras poderiam ter sido “valeu a pena para mim” e “ainda é tempo para a humanidade”. Por tudo isso, o 2 de agosto de 2023 foi um dia em que a Terra chorou, com esperança.
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