segunda-feira, 10 de outubro de 2022

Bolsonaro e Mourão deixam claro que o plano é marcha para ditadura e caos.

O plano de Jair Bolsonaro rumo à ditadura “pela via democrática” — dado que o golpe, propriamente, falhou — já está claro e até foi detalhado pelo vice, Hamilton Mourão, eleito senador pelo Rio Grande do Sul. Os setores bolsonarizados da elite não podem alegar ignorância. Sabem de tudo. Se abraçam a proposta fascistoide, convenham, é porque são fascistoides também. Já volto ao ponto. Antes, uma breve esticada até o passado.

Não há conversa mais aborrecida e mentirosa do que o “votei em Bolsonaro em 2018 para afastar o ‘risco PT’, não porque o admirasse”. No segundo turno, vá lá. Mas e no primeiro? O cardápio de opções não petistas era grande. Uma nota sobre o segundo turno de então: a trajetória do “capitão” apontava, por acaso, para algo virtuoso, segundo esse pressuposto? Era ele o mal menor? Infelizmente, não tenho como passar a palavra aos quase 700 mil mortos da Covid ou a Genivaldo Santos, morto numa Câmara de gás.

Sem essa! Que amplas camadas da população mais pobre tenham escolhido Bolsonaro, pode-se até compreender, e há justificativas as mais variadas para isso, muitas delas em si mesmas contraditórias. Não irei a minudências agora porque seria outro texto. Atenho-me àqueles que dispõem de tempo e conforto para ter acesso a múltiplos canais de informação. Esses votaram no prosélito da ditadura; no “dá uma coça no filho gayzinho”; no “não te estupraria porque você não merece”; no “a ditadura deveria ter fuzilado 30 mil”, inclusive FHC; no quilombola que se pesa em arrobas “e nem para procriar serve mais”. Como alegar ignorância? Há arrependidos? Vá lá. Alegação de ignorância? Aí não.


Mas há os que reincidem, não? Estes não só condescendem com as iniquidades listadas como com as que a elas se somaram no curso de quatro anos de mandato. Frases ditas durante a pandemia como “não sou coveiro”, “todo mundo morre um dia”, “tem que deixar de ser um país de maricas”, acompanhadas de atos que a lei define como crimes, fazem de Bolsonaro candidato à cadeia. Mas ele pode, sim, se reeleger presidente, garantindo ao menos mais quatro anos de impunidade. E aqueles setores a que me refiro, que já sabiam de tudo, sabem de muito mais agora. Sabem e aplaudem. Sabem e gostam. Sabem e concordam. Com elites responsáveis, não se teria um país rico com tantos miseráveis.

O roteiro de mais desgraça, com um ciclo de longa duração de turbulência ou de desatinos, está dado. Em entrevista à “Veja”, Bolsonaro flertou com a ideia de aumentar o número de ministros do Supremo para ter o controle da corte. Admitiu que a proposta chegou à sua mesa, mas que decidiu tratar do assunto só depois da eleição. E a resposta só faz sentido, é claro, em caso de vitória. Sim, esse debate existe.

O mandatário dos próximos quatro anos indica os substitutos de Ricardo Lewandowski e Rosa Weber, que deixam a corte no ano que vem. Mais de uma vez, o presidente já se referiu a essas nomeações como a chance de aumentar a sua presença no tribunal. Ele diz abertamente ter o controle de 20% dos ministros. Refere-se a Nunes Marques e André Mendonça. Com um Senado ainda mais reacionário do que o que aí está, se Bolsonaro for reeleito, abre-se caminho para a militância de extrema-direita de toga.

Nesse caso, teria quatro dos onze ministros. É pouco para seus intentos. A ideia é elevá-los para 15, de sorte que isso lhe garantiria uma maioria de 8 votos. O inferno, então, seria o limite. Cumpriria o roteiro de Hugo Chávez em 2003 — Chávez que, diga-se, era o ídolo do então deputado Bolsonaro em 1999. Esse é o roteiro das tiranias. E a ditadura militar de 64, no Brasil, precedeu a de Chávez em tal prática.

O AI-2, de 27 de outubro de 1965, aumentou de 11 para 16 os integrantes do STF para garantir maioria em favor da ditadura militar. E foi mais longe:

– determinou que civis fossem julgados pela Justiça Militar “para repressão de crimes contra a segurança nacional ou as instituições militares”;
– governadores passaram a ser julgados pelo Superior Tribunal Militar em casos relacionados à segurança nacional;
– permitiu a intervenção federal nos Estados “para prevenir ou reprimir a subversão da ordem”;
– tirou da Justiça a competência para se manifestar sobre atos institucionais.

Observem que, antes mesmo do realmente famigerado AI-5, a trilha da ditadura arreganhada já estava dada.

Bolsonaro não se estendeu sobre a proposta de ampliar o número de ministros do Supremo, o que eles pretenderiam fazer votando uma PEC no Congresso. Há celerados que defendem, acreditem!, que se faça isso por simples projeto de lei. Em entrevista concedida à Globo News, Hamilton Mourão, o vice agora eleito senador, resolveu detalhar o plano. No que concerne à independência da Corte, ele está mais para AI-5 do que para AI-2. O vídeo segue no pé do texto. O plano de Mourão:
– aumento do número de magistrados;
– mudança nas regras sobre decisões monocráticas;
– definição de um mandato para ministros da Corte;
– facilitar a possibilidade de punir ministros por crimes de responsabilidade.

E aí emenda o general para dar uma aparência de legalidade democrática à cruzada:

“Temos de discutir isso. Mas, obviamente, sem paixões ideológicas e sempre buscando aquilo que é o melhor para o nosso sistema democrático”.

Aí está o que chamo de roteiro do caos. Em primeiro lugar, o pacote fere a Constituição porque, na democracia, é a Carta que define os limites dos Poderes. Bolsonaro, se reeleito, controlará o Legislativo por intermédio do Orçamento Secreto, e esse Legislativo, por sua vez, passaria a subordinar o Supremo às suas vontades. E pronto: ter-se-ia um tribunal para fazer mesuras ao mandatário, que estaria livre, inclusive, para ensaiar um terceiro mandato.

Se o arroubo autoritário desse certo, o Brasil deixaria de integrar o rol das nações democráticas, e isso teria consequências que são também econômicas. Mas há uma questão anterior: inexiste ato não judicante no Brasil segundo a Constituição. E qualquer instrumento legiferante para subordinar o Poder Judiciário ao Legislativo e ao Executivo estaria sujeito à análise do próprio Supremo, que apontaria a sua óbvia inconstitucionalidade. Nesse caso, os psicopatas que chegaram ao Congresso e o presidente mandariam cercar e fechar a Corte?

Ao listar as prioridades de um eventual novo governo Bolsonaro, numa entrevista logo depois de eleito deputado federal, o delegado Alexandre Ramagem, ex-diretor da Abin, listou o que chama de “prioridades”. E a primeira é a reforma do Judiciário. O vídeo também está ao fim do texto.

Dados alguns padrões de renda e informação, não há como alegar inocência. Escolher Bolsonaro é escolher não uma mera tentação ditatorial, mas um projeto que já está em curso e que, para passar à fase seguinte, precisa anular um dos Poderes. Nada disso seria pacífico. Qualquer que fosse o desdobramento, o desastre seria certo.

PS: Antes que digam que digam que o AI-2 foi coisa de ditadura militar, e a mudança que querem Bolsonaro e Mourão seria feita pelo Congresso, o que o tornaria “democrática”, observo: é objeção infantil. E de criança que estudou mal. Os golpes contemporâneos são dados sem tropas. Usam-se garantias da democracia para solapá-la. O truque nem novo é.

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