No nosso tempo, é um facto que os textos políticos são, regra geral, mal escritos. Quando isto não acontece, normalmente verifica-se que o escritor é alguma espécie de rebelde , que exprime opiniões próprias em vez de seguir a " linha do partido". A ortodoxia, independentemente da cor, parece exigir um estilo imitativo, sem vida. Os dialectos políticos com que deparamos em panfletos, artigos de opinião, manifestos, livros brancos ou discursos de subsecretários variam, claro, consoante o partido , mas são todos iguais no sentido em que dificilmente encontramos neles um tropo novo, fulgurante, pessoal. Quando vemos no palanque um plumitivo estafado a repetir mecanicamente expressões batidas - " brutais atrocidades", " mão de ferro", " tirania sangrenta", " povos do mundo livre", "unir esforços" - temos amiúde a curiosa sensação de estar a ouvir , não um ser humano, mas uma espécie de boneco - uma sensação que se torna subitamente mais forte quando a luz bate nos óculos do orador e os transforma em discos opacos, atrás dos quais parece não haver olhos nenhuns. E isto não é inteiramente produto de imaginação. Um orador que use esse tipo de fraseologia está a meio caminho de se transformar numa máquina. Da sua laringe saem os ruídos apropriados, mas o seu cérebro não está envolvido no processo, ao contrário do que sucederia se ele estivesse a falar por palavras suas. Se o discurso que pronuncia está a ser repetido pela enésima vez, é provável que o orador mal tenha consciência do que está a dizer, como quando pronunciamos os responsos na igreja. E esta revolução da consciência é , senão indispensável, pelo menos favorável ao conformismo político.
No nosso tempo, os discursos ou os textos políticos consistem largamente numa defesa do indefensável. (...)
O estilo empolado é, só por si, uma espécie de eufemismo. Uma massa de palavras latinas tomba sobre os factos como neve fofa, elidindo os contornos e encobrindo os pormenores. O grande inimigo da linguagem clara é a hipocrisia. Quando existe um hiato entre os objectivos reais e os objectivos declarados , rerorremos quase instintivamente a palavras multissilábicas e expressões idiomáticas gastas, como lula esguichando tinta. No nosso tempo, é impossível " mantermo-nos afastados da política". Todos os nossos problemas são políticos e a política em si é um amontoado de mentiras , subterfúgios, tolices, ódio e esquizofrenia. Quando a atmosfera geral empesta, a linguagem não pode deixar de se ressentir. É de supor - mas trata-se de uma hipótese que não tenho meio de verificar, por falta de conhecimentos suficientes - que línguas como o alemão , o italiano e o russo se tenham deteriorado se tenham deteriorado nos últimos dez ou quinze anos, em resultado da ditadura.
George Orwell, "Ensaios escolhidos"
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