Para quem tem alguma memória, valeria a pena se lembrar de alguns pontos fundamentais, superficialmente tocados na última campanha presidencial: educação pública laica, universal e de qualidade, de modo a propiciar igualdade de oportunidades reais, não apenas nominais; habitação, água e esgoto para todos; sistema de transporte de qualidade (inclusive ferrovias, hidrovias e cabotagem); fartura de alimentos para seres humanos, não apenas para gado e galinhas; qualificação da mão de obra, para que possa haver mais empregos e mais empresas de bom nível; manutenção e expansão da rede pública de saúde; preocupação com o esporte como atividade voltada para a saúde, não apenas para a competição; controle sobre a usura praticada fora e dentro da lei; sistema de justiça democrático, desde o julgamento até o encarceramento. Embora tocados por alguns candidatos nas últimas eleições presidenciais – muito superficialmente, para dizer a verdade -, esses temas e vários outros foram debatidos com alguma seriedade em órgãos de imprensa e com real profundidade em livros. Uma das obras mais sérias, com propostas concretas em diferentes áreas, da Economia ao Esporte, da Educação à Agricultura, passando por Ciência e Tecnologia, Saúde, Segurança Pública e Meio Ambiente, foi “Brasil, o futuro que queremos”. Embora suspeito, por ter organizado a obra, estou à vontade para falar de um trabalho que não escrevi. Apenas estruturei, lancei perguntas, fiz observações, padronizei o material e redigi uma introdução. O conteúdo coube a especialistas, de diferentes correntes e cores políticas, gente aberta, articulada, capaz de juntar o saber com a prática. Brincando, eu chamava o grupo de “meu ministério”.
Seria um desperdício não aproveitar muitas das ideias e sugestões apresentadas nesse livro como tema para discutir nosso país, por ocasião da próxima campanha presidencial. Noticiários na TV, nas rádios e nos jornais têm ido pouco além da divulgação de pesquisas eleitorais (que não ajudam a compreender o país), quando não ficam exibindo manobras realizadas por supostos políticos “hábeis”. É pouco, muito pouco. Precisamos mesmo é discutir os problemas brasileiros. Não é uma competição para ver quem é o mais esperto, mas o mais preparado. Ou estou equivocado?
A percepção que as pessoas têm de quanto o Brasil é injusto é algo muito sério, pois não se pode tecer um país unido com a desigualdade social vigente. A desigualdade favorece a existência de arrogantes de um lado e dissimulados de outro. Um jovem advogado, muito idealista ainda, me dizia que, no Brasil, todos são iguais perante a letra da lei, mas não perante o espírito da lei. Na prática, o poderoso, quando prevarica, é bem defendido, muito bem defendido, defendido com tudo que a lei permite e, às vezes, até um pouco além disso. Quem não pode vai para a cadeia, sofre dias, meses, anos e, se sobrevive às prisões brasileiras, não terá muita chance de se recuperar. E esse sistema, vamos ser claros, não é acidental, é estrutural. Ele reflete a concepção que temos de um estado que é de todos, mas não é para todos. É de todos que pagam o aumento no custo dos alimentos, do transporte, do material escolar, das roupas vindas da China e do Vietnã. O Brasil é um país em que o desemprego é gigantesco, porém, aonde quer que se vá, vai se ouvir patrões dizendo que têm vagas em aberto, por falta de mão de obra qualificada. É um país que acha que todo mundo, para ser cidadão, precisa ter faculdade, e para isso aprova o funcionamento de pseudo universidades, verdadeiras Unidrogas e Unigranas, que ainda são beneficiadas com empréstimos feitos aos alunos, para eles pagarem a anuidade… Em troca, exigem muito pouco do aluno. A preocupação não é preparar gente, é fornecer um diploma para os pagantes. Diploma, que por seu turno, não servirá para nada.
O Brasil tem solução? Teoricamente tem. Até países na Ásia Oriental, no Oriente Médio (com solo desértico e sem petróleo), no sul do Pacífico consolidaram-se como democracias pujantes e sociedades equilibradas. Não há motivos geográficos ou históricos que nos condenem a ser, para sempre, o país do futuro que passou.
O futuro que queremos é outro.
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