Invadida pela Rússia, a Ucrânia luta heroicamente pela manutenção do seu território, pela preservação da sua identidade nacional e, não menos importante, pela defesa dos valores da democracia ocidental, embora esteja localizada numa Europa Oriental com tradições que diferem das do oeste europeu. Porque o Ocidente não é uma expressão geográfica, mas uma ideia de liberdade — ou de liberdades. Liberdades individuais, liberdade econômica, liberdade de imprensa, liberdade de manifestação, liberdade de a sociedade escolher os seus representantes dentro dos limites estabelecidos por uma Constituição. Não há nada mais nobre do que a defesa das liberdades fundamentais numa guerra. Mas, mesmo em época de paz, a batalha pela conservação dessas liberdades é diária. O espectro do autoritarismo está sempre presente. Ele pode esconder-se numa sentença judicial, na aprovação de uma lei, no editorial de um jornal, no abuso de poder governamental e na interdição do debate por meio de movimentos articulados nos canais de expressão sociais, como mostra a cultura do cancelamento.
Li o artigo que Sergio Moro publicou no sábado, em O Antagonista, sobre a visita que ele fez à Alemanha, para encontrar-se com representantes políticos daquele país. Não há como não concordar com o que ele afirmou:
“Há uma percepção negativa de que o Brasil está cada vez mais se afastando das democracias ocidentais. Além de não vermos progresso na abertura da economia brasileira para o mundo, os movimentos de Bolsonaro na direção de Putin foram notados. A visita dele, na semana anterior ao início da guerra, e a declaração de solidariedade à Rússia fizeram um estrago na já deteriorada imagem do Governo.
Para piorar, Lula e o PT, padecendo da doença infantil do antiamericanismo e saudosos da União Soviética, foram também incapazes de se manifestar de maneira clara contra a invasão da Ucrânia e em condenar a Rússia.”
Jair Bolsonaro é um saudosista da ditadura militar e nunca deixará de sê-lo, embora se diga defensor da democracia; Lula é outro liberticida, com histórico de tentativas de amordaçar a imprensa, sabotagem do processo eleitoral, por meio de campanhas financiadas com dinheiro roubado, e apoio a ditaduras de esquerda na América Latina, apesar de vender-se como o contrário. Ambos são adeptos da compra financeira de parlamentares, o que está longe de constar da cartilha democrática. Nenhum deles considera, de fato, a democracia um valor universal, mas estratégico. Ou seja, como um meio para perpetuar-se no poder. Nenhum deles poderia prezar, de fato, o Ocidente e as suas liberdades.
Entre tantas escolhas que precisam ser feitas pelos brasileiros, esta não é a menos importante: se queremos que o país integre o Ocidente ou não. Em momentos de guerra, como a que está em curso na Europa, o nosso desalinhamento com os valores ocidentais fica mais evidente. Mas a verdade é que a posição do Brasil, assim como a de outros países da América Latina, sempre foi dúbia. Não somos Ocidente. Talvez sejamos uma espécie de Ocidente Próximo, nada além disso. Recentemente, numa conversa com um diplomata europeu que serviu em Genebra, sede de organizações internacionais de realce, ele me disse exatamente isto: que era notável como o Brasil e muitos dos seus vizinhos resistiam a aderir a ações coordenadas do Ocidente. O passado colonial criou certa desconfiança, imagino, em relação às antigas metrópoles; o fato de os Estados Unidos tratarem o subcontinente como quintal deve pesar; o fato de sermos o cemitério de ideologia esquerdistas tem o seu peso também. Mas precisamos superar esses obstáculos, se quisermos preservar as liberdades que nos fortalecerão como nação interna e externamente. O Brasil tem de virar Ocidente, antes que o mar vire sertão.
Nenhum comentário:
Postar um comentário