Ao cruzar os dados bancários obtidos a partir da quebra dos sigilos de assessores do então deputado estadual Flávio Bolsonaro, a equipe de reportagem do UOL verificou que a rachadinha é, na verdade, uma rachadona. Auxiliares de Flávio migravam entre os gabinetes da família. E a movimentação bancária revela que a prática de morder verbas da folha salarial dos gabinetes era uma tradição familiar.
Além de Flávio, tudo faz crer que mastigaram nacos de contracheques de assessores também o irmão Carlos, vereador carioca, e o então deputado federal Jair Bolsonaro. Apenas quatro assessores do chefe da organização familiar, hoje presidente da República, retiraram em dinheiro vivo, na boca do caixa, 72% dos salários que receberam na Câmara. Coisa de R$ 551 mil de um total de R$ 764 mil.
O caso da rachadinha ganhou as manchetes em dezembro de 2018, dias antes da posse de Bolsonaro no Planalto. Ao reagir ao noticiário, o então presidente eleito incluiu-se instintivamente problema: "Se algo estiver errado", disse Bolsonaro na época, "seja comigo, com meu filho ou com o Queiroz, que paguemos a conta deste erro."
Hoje, Flávio guerreia nos tribunais para anular o processo em que é acusado de peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa. E Jair Bolsonaro acha que não deve nada a ninguém —muito menos explicações. Já ameaçou encher de porrada a boca de um repórter que ousou perguntar de onde vieram os R$ 89 mil que o operador de rachadinhas Fabrício Queiroz e a mulher dele depositaram na conta da primeira-dama Michelle.
Ou o presidente tem uma estratégia capaz de causar inveja nos adversários políticos ou está conduzindo uma tática suicida. A protelação judicial e a desconversa com a imprensa empurram a amoralidade para dentro da campanha presidencial de 2022.
Os bolsonaristas costumam menosprezar a sujeira quando ela é exposta sob o tapete da primeira-família. Os devotos de Bolsonaro perguntam: "E a corrupção bilionária do PT?" Esse tipo de reação faz lembrar o "Sermão do Bom Ladrão", do padre Antônio Vieira. Nele, Vieira conta que, navegando numa poderosa armada, estava Alexandre Magno a conquistar a Índia quando trouxeram à sua presença um pirata que tinha o hábito de roubar os pescadores.
Alexandre repreendeu o pirata. E ele replicou: "...Eu, porque roubo em uma barca, sou ladrão, e vós, porque roubais em uma armada, sois imperador?" Vieira arrematou o sermão: "Se o rei da Macedônia, ou qualquer outro, fizer o que faz o ladrão e o pirata, todos —rei, ladrão e pirata—merecem o mesmo nome. Ou seja: o desvio de nacos dos salários de servidores e o assalto de bilhões das arcas da Petrobras são irrupções de um mesmo fenômeno.
Alguém já disse que família é como varíola. A gente tem quando criança e fica marcado para o resto da vida. Na organização familiar dos Bolsonaro, quem sai aos seus não endireita. O pai abriu caminho na política. E instituiu uma espécie de filhocracia. Nesse regime particular, os Bolsonaro não se sentem pessoas públicas. O país é que lhes atrapalha a vida privada. O clã Bolsonaro luta para salvar o país. O Brasil só piorou. Mas as finanças da família presidencial não param de melhorar.
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