E não foi só. Vários acontecimentos do fim de semana mostram que não é só a pandemia que avança sem vislumbre de controle: esses ataques à democracia foram visíveis em vários fatos deste domingo, e merecem igual preocupação por parte da sociedade.
Os atos insuflados por apoiadores do presidente tiveram concomitantemente ameaças a governantes e familiares e tentativas de se impedir com violência a vacinação. A eles: manifestantes fizeram tumulto, com ameaças, na frente da casa da mãe do governador do Espírito Santo, Renato Casagrande; o governador de São Paulo, João Doria Jr., relatou a tentativa de invasão a sua casa, também neste domingo; em Maceió, apoiadores de Bolsonaro tentaram impedir o prosseguimento da vacinação de idosos.
Esses não são fatos isolados e desconectados. De novo essas manifestações tiveram o uso de cartazes e faixas com defesa a intervenção militar, destituição de ministros do Supremo Tribunal Federal e golpe para apear os governadores dos cargos. Em São Paulo, uma foto tirada na avenida Paulista mostra policiais tirando foto de um desses cartazes, que fala em julgamento dos ministros do STF por um tribunal militar.
Na frente da casa da mãe de Casagrande, a informação de um parlamentar que é ex-policial amotinado era de que o endereço da idosa foi obtido junto ao "serviço secreto" da PM. Verdadeira ou não, a menção a isso é uma forma de ameaçar o governador: ele não está seguro porque tem contra si a polícia que deveria obedecê-lo. Isso é de uma gravidade absoluta.
Da mesma forma, uma foto das carreatas em Brasília mostrou um cidadão andando com uma arma de alto calibre e exibindo-a na janela. Outro sinal de grande perturbação para a democracia: a política de armar de forma indiscriminada a população já resulta em ameaça à manutenção do estado democrático de direito e à paz social.
Outras evidências de corrosão avançada do tecido democrático vieram da entrevista concedida nesta segunda-feira pela cardiologista Ludhmilla Hajjar à GloboNews. Sem querer entrar no mérito a respeito de sua competência para o cargo nem atestar seu currículo, trata-se de analisar o processo de destruição de reputação rápido e implacável a que ela foi submetida. Informado, Bolsonaro disse a ela que "faz parte".
Não, não faz parte do aceitável numa democracia que se usem vídeos e áudios distorcidos e tirados de contexto para imputar a alguém ligações políticas inverídicas. Também não é aceitável que uma médica tenha seu celular vazado e passe a receber ameaças, nem que haja tentativas de invasão do hotel em que se hospedou para ir conversar com o presidente da República.
Esses fatos são gravíssimos, e mostram que mesmo uma médica conectada politicamente com o Centrão, e que admitiu que estava disposta a aceitar o cargo mesmo sabendo quem era Bolsonaro -- o que pressupõe, mesmo sem ela ter dito, que estava disposta a fazer algumas concessões -- está suscetível a uma máquina de ódio e de sufocamento do espaço cívico cujas engrenagens ganharam tal vida própria que funcionam mesmo quando alguém é chamado a conversar por Bolsonaro e um dos filhos! Ou seja: nem eles têm pleno controle do monstro que criaram, e do qual ninguém na República está a salvo.
Se a corrosão democrática é grande e está passando até aqui ao largo da preocupação, a chance de que a saída de Eduardo Pazuello resulte em algum ganho na condução da pandemia parece nula. Qualquer um que deseje assumir a pasta adotando protocolos de distanciamento social, acelerando a vacinação e descartando tratamentos ineficazes para covid-19 não vai adiante. Isso mostra que o presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia, Marcelo Queiroga, que demonstra estar louco para assumir, deveria reavaliar o custo de ter sua reputação destruída, como quase aconteceu a Nelson Teich e a Ludhmilla Hajjar.
Com a exigência de subserviência e a evidência de que o negacionismo continuará sendo a tônica do MS, talvez o mais talhado ao cargo seja mesmo o deputado Doutor Luizinho, que é o Centrão sem intermediários nem pruridos.
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