Há não muito tempo, eu recebi uma mensagem invejosa de um amigo em Washington: "O discurso de Angela Merkel, de que 60% de nós vamos pegar o vírus, a transformou automaticamente numa heroína para mim."
No início da crise, a chanceler federal alemã se dirigiu diretamente aos alemães – como ela nunca havia feito, com exceção das saudações de Ano Novo – para explicar como o governo iria protegê-los diante daquilo que ela descreveu como o maior desafio que o país enfrentava desde a Segunda Guerra Mundial.
De forma simples e objetiva, e não só naquele discurso, mas também em podcasts e entrevistas à imprensa, ela relatou os fatos como eles eram, explicou conceitos como "achatar a curva" e discorreu detalhadamente sobre temas tão banais como lavar as mãos e fornecimento de papel higiênico.
No seu discurso aos britânicos, no domingo passado, a rainha Elizabeth 2ª começou reconhecendo o estado de perturbação e preocupação e as dificuldades financeiras que a nação enfrenta.
Assim como a chanceler federal alemã, e em forte contraste com o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, ela não deu garantias falsas nem alegações tranquilizantes sobre potenciais remédios ou estratégias de saída.
Quando os cidadãos dispõem de fatos, eles podem tomar decisões sobre como reduzir os erros, tanto de forma individual como coletiva. Quando líderes confundem, negam e iludem, eles transformam um risco potencialmente controlável num perigo incalculável, semeando o medo e a passividade.
Nem a chanceler federal alemã nem a rainha britânica são conhecidas por sua afetuosidade e conexão com as pessoas. Porém, seus discursos foram tanto mais convincentes por causa do tom de comedimento e sobriedade.
A rainha relembrou sua primeira transmissão aos jovens evacuados, no auge dos ataques nazistas a Londres, em 1940, ao falar sobre o doloroso sentimento de separação dos entes queridos – um sentimento conhecido de muitos britânicos no momento.
A chanceler assegurou aos seus ouvintes que, na condição de alemã-oriental, para quem a liberdade de ir e vir é um direito duramente conquistado, ela está plenamente consciente de que a suspensão da vida em público é uma forte agressão.
Ambas expressaram agradecimento em termos claros e profundos a todos aqueles que colocam em risco a própria saúde e a da sua família para manter serviços essenciais.
As duas também deram exemplo.
A rainha e o príncipe Philip iniciaram seu autoisolamento em 19 de março.
No início do isolamento social, quando pessoas em pânico começaram a estocar, Merkel visitou um supermercado e foi fotografada com uma sacola com alguns poucos produtos, incluindo apenas um pacote de papel higiênico (e várias garrafas de vinho). Em seguida, ela entrou em quarentena após receber uma vacina de um médico que, logo depois, testou positivo.
Depois de três testes negativos de covid-19, ela retornou na semana passada à chancelaria federal e falou abertamente sobre como as duas semanas de isolamento foram difíceis.
Trump dedica elogios e gratidão principalmente a si mesmo e – de vez em quando – aos titãs corporativos de que ele se cerca em seus relatos diários. Ele desdenha de assessores médicos na cara deles, transforma críticos em bodes expiatórios e flagrantemente desobedece práticas de higiene como usar uma máscara respiratória. Mesmo quando declarou uma emergência nacional, ele distribuiu tapinhas nas costas e estendeu a mão para outras pessoas.
Apenas uma diferença de estilo? Os americanos se tranquilizam com gestos exagerados de autoadulação, enquanto os europeus preferem sobriedade? Não acho.
Transparência, empatia para com os atingidos e não apontar o dedo para outros são práticas padrões de comunicação em tempos de crise e visam transmitir credibilidade e confiança. Quando cidadãos recebem pedidos para se submeter a fortes agressões à sua liberdade, a confiança é talvez o mais forte impulsionador da observância.
3. Dignidade
O que a chanceler federal alemã e a rainha britânica possuem e transmitem e que o presidente dos EUA não tem é dignidade. Por que dignidade é importante? Pelo mesmo motivo que os fatos são importantes e a empatia e o exemplo impulsionam: a dignidade é contagiosa, ela catalisa uma resposta.
Se os líderes se comportam com disciplina e comunicam com respeito, eles impulsionam os cidadãos a agir. Isso tem benefícios subjetivos para aqueles que estão inseguros e temerosos, assim como consequências objetivas para a gestão da crise. Seja achatar a curva agora, seja reconstruir nossa economia depois, superar a pandemia requer que todos nós ajamos pelo interesse da sociedade.
Se as pessoas seguirem apenas seus próprios interesses, elas vão retardar ou até mesmo reverter a recuperação. O bem comum não é sempre claro e evidente. É necessário uma liderança convicta para explicar o objetivo e os meios.
Felizes são as sociedades que têm líderes assim em tempos como estes.
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