quarta-feira, 5 de fevereiro de 2020

O desprezo pela coisa pública

A história conhece muitos períodos de tempos sombrios, em que o âmbito público se obscureceu e o mundo se tornou tão dúbio que as pessoas deixaram de pedir qualquer coisa pública além de que mostre a devida consideração pelos seus interesses vitais e liberdade pessoal. Os que viveram em tempos tais, e neles se formaram, provavelmente sempre se inclinaram a desprezar o mundo e o âmbito público, a ignorá-los o máximo possível ou mesmo a ultrapassá-los e, por assim dizer, procurar por trás deles — como se o mundo fosse apenas uma fachada por trás da qual as pessoas pudessem se esconder —-,chegar a entendimentos mútuos com seus companheiros humanos, sem consideração pelo mundo que se encontra entre eles.
Hannah Arendt, “Homens em tempos sombrios”(1955)

Barragens mineiras com tragédias anunciadas; viadutos paulistanos ruindo a cada dia; o belo complexo do Teatro Nacional de Brasilia interditado há anos, jogados às baratas como se a Cultura representasse uma ameaça à civilização dos “coronéis da política”; crianças morrem de fome, o Estado do Ceará em chamas que mostram os castigos humanos do poder das Facções e do desprezo pelos governos ao tratar de maneira bárbara os presídios e os presidiários, pessoas à margem da civilização sem ter nenhum direito senão a indiferença afetiva e social das gestões públicas; os hospitais, inclusive da charmosa(?) capital da República matando mais do que curando; as escolas agora, com um futuro sombrio de uma educação sem liberdade de expressão; os corruptos e corruptores continuam sua saga de uma voracidade desvairada, determinando a morte de parte da população quando desviam as verbas públicas para a Saúde, Educação e Moradia; o sadismo mortífero de uma ideologia capitalista famigerada por riquezas e lucros, deixando as pessoas se submeterem ao que Hannah Arendt chamam “as banalidades do mal”.

Nietzsche em seu livro “A Gaia Ciência”, chega a afirmar o que serve para os nossos dias atuais: “Vejo a má consciência como uma profunda doença que o homem teve de contrair sob a pressão mais radical das mudanças que viveu — a mudança que sobreveio quando ele se viu definitivamente encerrado no âmbito da sociedade e da paz[…]:havia um terrível peso sobre eles. Creio que jamais houve na terra um tal sentimento de desgraça, um mal-estar tão plúmbeo”.

É tempo de mudanças radicais, a população já não suporta esse estado de “servidão humana”, onde os mais fortes e poderosos enredam as pessoas em suas tramas de uma politicagem falsa, eleitoreira e, além disso, revestida de uma pseudo-democracia. É bem verdade que a mentalidade política da população tem mostrado ínfimos avanços, mas é necessário mais, é pouco ainda. Cito como exemplo o descaso pelas obras públicas no Distrito Federal: viadutos que começam a ruir sem nenhum conserto; polícia de trânsito é fantasmagórica, só enxergamos em nossas avenidas, guardas trancafiados em suas viaturas, conversando. Será possível que ainda não se deram conta que guardas de trânsito ficam nas ruas, nos cruzamentos, usam apitos, ajudam o fluxo de trânsito nas ocasiões de engarrafamentos e acidentes? Os queridos e muito bem preparados Bombeiros são a nossa salvação, ainda bem! Quem dirige o trânsito na Brasilia de Lúcio Costa, são os próprios motoristas, sempre inquietos, agressivos e tendo verdadeiras crises “epiléticas” de caráter agressivo. Senhor Governador, que saudade dos tempos dos Administradores, dos tempos em que não havia a avidez de Deputados e Senadores! Brasília era bucólica, romântica, humana, feita alías para poucos habitantes. Hoje, nossa cidade se transformou num espaço gigante de um grande “curral eleitoral”. Estamos vivendo realmente, profundos tempos sombrios e de “homens partidos”, como poetou Carlos Drummond de Andrade.

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