sexta-feira, 2 de agosto de 2019

O jogo de Bolsonaro

Tanto o jornalista José Roberto de Toledo, editor do site da Piauí, quanto o cientista político Christian Lynch, do IESP-Uerj, observaram o mesmo recentemente. Estes mais ou menos 30% de aprovação de Jair Bolsonaro não são tão pouco quanto parecem. Para os padrões médios americanos, a aprovação de Donald Trump é também historicamente baixa. O novo premiê britânico, Boris Johnson, tem os piores números de início de governo dos últimos 40 anos. Esta semana agora, numa entrevista que decidiu conceder de improviso à repórter Jussara Soares, do Globo, o presidente também garantiu: “Sou assim mesmo”, ele disse a respeito de suas declarações agressivas . “Não tem estratégia.” Acredite o desavisado que quiser acreditar. Porque seus 30%, as redes sociais e as declarações fazem, juntas, parte de um mesmo pacote. E compõem, sim, um tipo novo de jogo na política.


O que Bolsonaro, Trump e Johnson têm em comum é um discurso particularmente agressivo. Ofendem, flertam abertamente com a extrema-direita, seu comportamento foge ao padrão de qualquer chefe de Estado recente. Esta agressividade é sintoma e é reflexo do ambiente em que se elegeram. Nos EUA, o Partido Democrata está cindido entre esquerda e liberais. Há conflitos na bancada na Câmara e faz muito tempo que, entre os pré-candidatos à presidência, perfis tão distintos estão disputando.

Estão brigando para determinar que perfil ideológico tem chance de vencer Trump. Os derrotados perigam dar as costas para o partido. Com os trabalhistas ingleses é igual. Seu atual líder, Jeremy Corbyn, representa uma esquerda que não chegava ao comando do partido há décadas, e assim abafou os liberais que dominavam a sigla. Fragmentado, sem saber para onde caminhar, o Partido Trabalhista ainda não consegue fazer frente ao governo.

No Brasil, mesmo com nossa pluralidade de partidos, o cenário é muito similar. Num ambiente de agressividade e rancor, esquerdas e liberais não se entendem — e abrem espaço para esta nova direita representada, aqui, por Jair Bolsonaro. Porque a oposição não se entende, e não tem cheiro de que vá se entender tão cedo, o cenário é de fragmentação. Não é só isso, porém, que faz dos 30% mais do que parecem.

Redes sociais têm uma característica própria. De longe, parecem democráticas. Afinal, qualquer um pode ir lá dar seu pitaco. Mas poder publicar e alcançar um público amplo são coisas distintas. Os algoritmos favorecem declarações que incitem emoções fortes. São as que chamam mais atenção, por isso mais lidas e mais comentadas. Não importa se há cem comentários negativos e dez positivos. Quanto mais comentado, mais o sistema mostra aquele post ou tweet para outros. Sim: nas redes sociais, até a repulsa ajuda o ultrajante a ganhar distribuição. É uma tecnologia que não premia a moderação, premia o extremismo.

Daí há um segundo aspecto. O número de coisas diferentes que as pessoas leem nas redes é limitado. Declarações ultrajantes muito distribuídas e criticadas ocupam mais e mais espaço — expulsando o resto. Num jogo de ocupação de território da informação exposta, o estilo Bolsonaro (ou Trump) é o que tem maior sucesso garantido.

E, assim, tudo se junta. Porque, depois de um ultraje após o outro, quem não abandonou o presidente é porque está fechado mesmo com ele. O núcleo de sua base é grande, e é sólido. Enquanto que, no outro lado, o que há é fragmentação, desânimo, depressão ou raiva. Um núcleo coeso, mobilizado pelas redes, as redes dominadas, e a oposição dilacerada. Sua Excelência que ora ocupa o Alvorada diz que não tem estratégia. Tem sim. E funciona.

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