Michael Veale tinha dúvidas. Era início de janeiro e todo mundo a sua volta parecia falar da mesma coisa, o novo sucesso da Netflix: um capítulo de Black Mirror, uma de suas séries emblemáticas, totalmente interativo. O espectador controlava o protagonista, um atribulado programador de jogos, e tomava decisões por ele: que cereais comer pela manhã, tomar LSD ou não, falar sobre sua mãe com o psicólogo. O argumento do capítulo mudava a cada opção. “É um novo tipo de narrativa que revolucionará o futuro”, tuitou entusiasmado Alex de la Iglesia no dia da estreia.
Mas Michael Veale, um britânico de 26 anos que pesquisa leis de proteção de dados na University College de Londres, tinha dúvidas. “Muita gente garantia que a experiência era uma atividade para extrair dados dos usuários”, conta em uma visita a Madri. “Me interessava saber não só o que a Netflix fazia com todos esses dados, mas com que base legal.” Foi o que perguntou à casa, aproveitando que agora esses pedidos de informação estão amparados pelo Regulamento Geral de Proteção de Dados que entrou em vigor na Europa em maio passado. “Já que temos direito de investigar e compreender atividades como esta, queria mostrar que o Regulamento pode ser usado para perguntar sobre questões cotidianas”, continua. Esta semana, a Netflix lhe deu a resposta. Efetivamente, havia anotado cada decisão tomada por cada espectador. O capítulo de Black Mirror era, para muitos, um triunfo de criatividade televisiva; para outros, um triunfo de mineração de dados.
Também é um exemplo de até que ponto é absurdo separar uma coisa da outra. Em uma época marcada pelo estudo em massa do comportamento de todo consumidor em qualquer setor, a televisão se tornou uma arma potente. Os grandes do negócio se tornaram o que são hoje fundamentalmente por sua forma de explorar os dados que cada espectador vai deixando em uma tela conectada à Internet. Cada segundo de vacilo antes de escolher um título, cada pausa na reprodução do programa, cada cena rebobinada. Todos os dados contribuem para conhecer o espectador, e cada espectador colabora para conhecer o mercado inteiro. Quanto mais banal for o dado, melhor. Mais valioso será cruzá-lo com outros milhões de variáveis.
A Netflix é o serviço mais conhecido por sua forma de estudar seus quase 150 milhões de assinantes no mundo todo. Mas sem dúvida não é a única. Quando a Amazon se dispôs a lançar seu negócio de televisão por assinatura (hoje Amazon Prime Video), em 2012, ofereceu uma série de capítulos piloto para que o público votasse em qual queria ver transformado em série. Ao mesmo tempo, determinaram que capítulo era mais visto segundo quais pessoas, que momentos eram mais rebobinados e quais tinham mais pausas. Com isso tomaram suas decisões. Aquelas séries não funcionariam.
Era um estilo muito diferente do da Netflix. “Eles compreendem as limitações de analisar dados, e sabem como superá-las com base em especialistas humanos”, explica Sebastian Wernicke, diretor de análise de dados da consultoria alemã One Logic, que estudou o papel do big data na criação televisiva. “A Netflix não decide apenas com dados em mãos, mas usa os dados para melhorar as decisões que toma.” Na casa se conta que sempre que se produziram House of Cards em 2013 era porque sabiam que seu público gostava de thrillers políticos e dos filmes de David Fincher. Mas chamaram Fincher. Os dados informam a parte criativa e os criativos dão forma aos dados.
Por isso ainda subsiste a brincadeira recorrente do setor de culpar o algoritmo da Netflix por todas as coincidências entre as séries da casa: os protagonistas tímidos de cabelo escuro apaixonados por uma mulher mais esperta que eles (Sex Education, Elite, End of the F***in World, 13 Reasons Why) ou a quantidade de séries cuja temporada é interrompida na metade por um capítulo em um lugar remoto, como uma viagem de carro ou um funeral. Devem gostar muito do algoritmo. Não receberam nem pausas nem rebobinadas e por isso há tantas.
“Não sei ao certo quantos dados mais poderiam ser reunidos, mas se os encontrassem, refinariam a estratégia”, opina Wernicke. Talvez com experimentos como o de Black Mirror? Aqui Veale pondera: “Os dados coletados nesse caso deveriam nos preocupar? Certamente não. Mas o fato de que tenham tirado mais informação do que a permitida pelos clientes ao assinar, sem pedir permissão? Sim, esse dado é preocupante.”
Mas Michael Veale, um britânico de 26 anos que pesquisa leis de proteção de dados na University College de Londres, tinha dúvidas. “Muita gente garantia que a experiência era uma atividade para extrair dados dos usuários”, conta em uma visita a Madri. “Me interessava saber não só o que a Netflix fazia com todos esses dados, mas com que base legal.” Foi o que perguntou à casa, aproveitando que agora esses pedidos de informação estão amparados pelo Regulamento Geral de Proteção de Dados que entrou em vigor na Europa em maio passado. “Já que temos direito de investigar e compreender atividades como esta, queria mostrar que o Regulamento pode ser usado para perguntar sobre questões cotidianas”, continua. Esta semana, a Netflix lhe deu a resposta. Efetivamente, havia anotado cada decisão tomada por cada espectador. O capítulo de Black Mirror era, para muitos, um triunfo de criatividade televisiva; para outros, um triunfo de mineração de dados.
Também é um exemplo de até que ponto é absurdo separar uma coisa da outra. Em uma época marcada pelo estudo em massa do comportamento de todo consumidor em qualquer setor, a televisão se tornou uma arma potente. Os grandes do negócio se tornaram o que são hoje fundamentalmente por sua forma de explorar os dados que cada espectador vai deixando em uma tela conectada à Internet. Cada segundo de vacilo antes de escolher um título, cada pausa na reprodução do programa, cada cena rebobinada. Todos os dados contribuem para conhecer o espectador, e cada espectador colabora para conhecer o mercado inteiro. Quanto mais banal for o dado, melhor. Mais valioso será cruzá-lo com outros milhões de variáveis.
A Netflix é o serviço mais conhecido por sua forma de estudar seus quase 150 milhões de assinantes no mundo todo. Mas sem dúvida não é a única. Quando a Amazon se dispôs a lançar seu negócio de televisão por assinatura (hoje Amazon Prime Video), em 2012, ofereceu uma série de capítulos piloto para que o público votasse em qual queria ver transformado em série. Ao mesmo tempo, determinaram que capítulo era mais visto segundo quais pessoas, que momentos eram mais rebobinados e quais tinham mais pausas. Com isso tomaram suas decisões. Aquelas séries não funcionariam.
Era um estilo muito diferente do da Netflix. “Eles compreendem as limitações de analisar dados, e sabem como superá-las com base em especialistas humanos”, explica Sebastian Wernicke, diretor de análise de dados da consultoria alemã One Logic, que estudou o papel do big data na criação televisiva. “A Netflix não decide apenas com dados em mãos, mas usa os dados para melhorar as decisões que toma.” Na casa se conta que sempre que se produziram House of Cards em 2013 era porque sabiam que seu público gostava de thrillers políticos e dos filmes de David Fincher. Mas chamaram Fincher. Os dados informam a parte criativa e os criativos dão forma aos dados.
Por isso ainda subsiste a brincadeira recorrente do setor de culpar o algoritmo da Netflix por todas as coincidências entre as séries da casa: os protagonistas tímidos de cabelo escuro apaixonados por uma mulher mais esperta que eles (Sex Education, Elite, End of the F***in World, 13 Reasons Why) ou a quantidade de séries cuja temporada é interrompida na metade por um capítulo em um lugar remoto, como uma viagem de carro ou um funeral. Devem gostar muito do algoritmo. Não receberam nem pausas nem rebobinadas e por isso há tantas.
“Não sei ao certo quantos dados mais poderiam ser reunidos, mas se os encontrassem, refinariam a estratégia”, opina Wernicke. Talvez com experimentos como o de Black Mirror? Aqui Veale pondera: “Os dados coletados nesse caso deveriam nos preocupar? Certamente não. Mas o fato de que tenham tirado mais informação do que a permitida pelos clientes ao assinar, sem pedir permissão? Sim, esse dado é preocupante.”
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