quinta-feira, 21 de fevereiro de 2019

A torina cruel das tragédias que acontecem

Antes de me referir às recentes tragédias, sobretudo à da política que vivenciamos não é de hoje, apenas um registro necessário. Amigos/leitores insistem em enviar-me “notícias” oriundas das redes sociais. Não desejo ser grosseiro com nenhum deles, mas não as leio. Desconsidero-as. Recente comissão parlamentar britânica, que defende, em nome do cidadão, reforço na regulamentação aplicada às redes sociais, considera o Facebook um “gângster digital no mundo online”. Sua atuação vai da notícia falsa à espionagem de usuários. O mal que elas fazem ao regime democrático é cada vez mais destruidor.

Mal se iniciou o ano, e as tragédias se sucedem como se obedecessem a uma rotina cruel. As de Brumadinho e do Ninho do Urubu, além das vítimas das chuvas, já estão ficando para trás. E o pior, leitor, é que quase todas poderiam ser evitadas. Por que não são? Acompanho-as desde que me entendo por gente. As profissões de jornalista e advogado me deixaram mais próximo delas. Elas doem muito. Ceifam vidas que mal se iniciaram. Não fazem escolhas e provocam traumas terríveis. Sem distinção, a emoção vai tomando conta dos brasileiros. Como ocorreu na morte do jornalista Ricardo Boechat.


A propósito, encontrei-me outro dia com um amigo de longa data, jornalista da velha guarda como eu. Não nos víamos havia muito tempo. Mesmo assim, me disse, meio marotamente: “E o Ricardo Boechat, você viu? Acordava com ele todo dia”, referindo-se ao seu “imperdível” (para muitos) programa na BandNews: “Ele se foi, mas tanta gente que deveria ir ficou aí, zombando de nós – os babaquaras! Como funciona isso? Diga-me você, que entende bem as regras de Deus...”

Deixei o amigo e pensei comigo: mas que há um traço em comum entre todas as tragédias, isso há. Os responsáveis por elas, tanto na área privada quanto na pública, não se sentem culpados. A frase “eu não tive culpa”, que todos, não raras vezes em sincero desabafo, desde que pilhados em alguma infração, deixam logo escapar, revela tremenda confusão sobre o verdadeiro significado de culpa. Consideram-se, às vezes, eternas vítimas da fatalidade que os persegue.

Confundem sempre culpa com intenção, que é o que caracteriza o dolo nas suas diversas modalidades. (Na verdade, na maioria dos crimes culposos, não se deseja fazer mal a ninguém). Escapa-lhes (escapa ao cidadão comum) o significado do substantivo. Não lhes passa pela cabeça que o culpado pode não ter tido intenção, mas foi imprudente, negligente e imperito. Não aceitam que imprudência, negligência e imperícia, que embasam a culpa, andam de mãos dadas.

A matéria, embora jurídica, pode ser compreendida pelo leigo. E, por isso, leitor, pergunto-lhe: quantas vezes ao dia somos imprudentes, negligentes e imperitos? Convivemos ou não com tal risco?

Pense nisso e tire suas próprias conclusões.

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